Athos Ronaldo Miralha da Cunha
Numa situação dessas, de uma tragédia que vitimou
242 jovens, a expressão da dor e da saudade pode ser feita das mais variadas
formas. Não devo julgar as crenças e as descrenças que envolvem um sentimento
de perda. É, praticamente, impossível nos colocarmos – nós que não tivemos
familiares na tragédia – na posição de um pai ou de uma mãe que teve a vida de seu
filho, prematuramente, ceifada. Nesses dois anos sempre procurei entender e
compreender todas as manifestações dos familiares, por um motivo muito simples:
nunca tantos jovens morreram num espaço curto de tempo numa cidade do Brasil. Algo
sem precedentes na história e rogamos para que jamais se repita.
Eu sou da opinião que nenhum excesso praticado por
um pai deve ser condenado porque eu não sei do que seria capaz se tivesse no
lugar de algum deles. Na verdade não houve excesso de manifestações e atitudes,
acho que caminhamos para um excesso de impunidade e um excesso de esquecimento.
A tragédia da boate Kis não pode ser transformada, apenas, em um toldo na praça
com fotos dos jovens. Para superar essa dor precisamos de algo mais e esse algo
mais se resume em uma única palavra: justiça.
Na adianta querermos escamotear e o poder público –
as três esferas que constam na cidade, principalmente a municipal – fazer de
conta que está tudo bem. Em Santa Maria não está tudo bem. Santa Maria não foi
e não será mais a mesma depois daquele 27 de janeiro.
No próximo 27 de janeiro fará dois anos daquele fatídico
amanhecer. O domingo mais triste. O dia em que o Brasil e o mundo choraram por
Santa Maria. E nesses dois anos ninguém foi condenado. Ninguém perdeu seu
cargo. Ninguém foi demitido. Ninguém foi responsabilizado. Quantos anos, ainda,
aguardaremos pela justiça?
O próximo dia 27 será um dia de reflexão. Introspecção
e recolhimento. No poema “Veterano” do saudoso Tocaio Ferreira tem um verso que
diz: “Repasso o que tenho feito, para ver o que mereço”. É um momento de
refletirmos sobre a vida, repassarmos o que temos feito e ver o que merecemos. Nós
ficamos e temos o compromisso de manter a memória viva desses 242 jovens.
Como escrevi no começo, procuro entender e
compreender todas as manifestações. Mas tem um detalhe: uma festa numa boate no
dia 27 para homenagear as vítimas, fica difícil de entender. Deve ser os inexplicáveis
mistérios que existe entre o céu e terra.
4 comentários:
Concordo plenamente com o senhor Athos. Acho que o senhor colocou claramente o que muitas pessoas pensam e gostariam de dizer.
A tragédia da Kiss foi terrível, mas a afirmação "nunca tantos jovens morreram num espaço curto de tempo numa cidade do Brasil" é questionável. Em 1961, em Niterói, o incêndio no Gran Circus Norte-Americano, havia 3000 pessoas na plateia, faltavam vinte minutos para o espetáculo acabar, quando uma trapezista percebeu o incêndio. Em pouco mais de cinco minutos, o circo foi completamente devorado pelas chamas. 372 pessoas morreram na hora e, aos poucos, vários feridos morriam, chegando a mais de 500 o número de mortes, das quais 70% eram crianças.
Valeu pela postagem.
O que também é profundamente lamentável...
Parabéns pela coragem e lucidez, Sr. Miralha.
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