terça-feira, 6 de outubro de 2015

Adão Latorre e Xerengue estão gargalhando



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

É lugar-comum, aqui no Rio Grande do Sul, quando queremos salientar o grau de disputa ou rivalidade, buscarmos análises comparativas nas contendas entre chimangos e maragatos – se o assunto for política – e na rivalidade Gre-Nal, se o tema for futebol. 
Chimangos e maragatos viviam – e morriam – em eternos confrontos por conta de disputas políticas e a cor de um lenço. A degola era a menos cruel das ações dos caudilhos lá no início de século passado. E a dupla Gre-Nal era, apenas, uma rivalidade esportiva. Hoje, os chimangos e maragatos se contentam numa rivalidade de CTG na dança da chula e a agressividade migrou para os estádios com torcedores, digamos assim, um pouco mais exaltados. Contabilizamos mortes nos estádios por esse Brasil afora por conta do fanatismo e intolerância por quem torce para uma equipe diferente. E vamos chorando nossas jovens mortes e lamentando tanta incompreensão.
Recentemente faleceram Kita jogador de futebol e Jose Eduardo Dutra político do PT. Duas pessoas com, praticamente, a mesma idade e que enfrentaram longa enfermidade.   
Toda morte é motivo de reflexão sobre a vida e a nossa passagem por ela. Algumas são mais sentidas porque são pessoas próximas – amigos, parente e conhecidos –, outras menos doloridas, mas também reflexivas, pois podem ser jovens vitimados por uma tragédia – Santa Maria conhece muito bem essa dor – ou pessoas que admiramos, ou não, por sua atuação na sociedade.
Eu gostaria de escrever, apenas, um lamento pelas mortes de Kita e José Eduardo. Amigos próximos, parentes, torcedores e políticos devem estar sentidos. Ambos morreram jovens. Muito tempo antes do que recomenda as estatísticas.
Mas o que nos deixa descrente com a humanidade e com a política foram os protestos no velório de José Eduardo Dutra. A gente é pego na contramão da lógica. Uma atitude inimaginável para seres ditos “homo sapiens” que deveriam respeitar a dor alheia. Então, ficamos sem saber o que dizer. Profundamente embasbacados, boquiabertos. Ainda quero crer que se trata de uma ínfima minoria. Assim espero. Caso contrário, estaremos caminhando a passos largos para a barbárie. Mas um dado é factível: a intolerância é a marca de nosso tempo e a intransigência o modus vivendi.
Chimangos e maragatos já não peleiam mais. Torcedores da dupla Gre-Nal, muito acanhadamente, encaminham a paz nos jogos com a torcida mista. Mas temos várias intolerâncias: política, religiosa, racial, afetiva e esportiva. Algumas pessoas têm dificuldade em conviver com quem pensa diferente. O contraditório deixou de ser dialético para ser ódio e raiva. Resolve-se as divergências na porrada. Nossa sociedade está muito violenta e violência gerada por motivos fúteis, na maioria das vezes.
A intransigência dos dias atuais encaminha-se para o renascimento de uma luta fratricida nos moldes dos chimangos e maragatos, num salve-se quem puder. E quando não for possível mais dialogar, Adão Latorre e Xerengue darão gargalhadas no inferno.

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