quinta-feira, 2 de abril de 2020

A casca da bergamota


Coloquei duas bergamotas na mochila e fui fazer uma caminhada na city. Enveredei lá para os lados da BR 158. É perigoso andar pelo acostamento, mas estava propenso a ir até a ponte metálica – do Cerrito – para ver o atual estágio das obras. E de quebra tirar umas fotografias. Espanto! A ponte de concreto estava pronta e a metálica sendo desfeita. O tablado já não existia mais. Fotografei com um pingo de saudade.
O progresso é racional e não tem sentimentos. A emoção salta nos livros de história e na memória da comunidade.
Retorno.
Resolvo saborear as bergamotas. Era o que tinha para o momento para seguir adiante na caminhada e em minhas reflexões. Os pensamentos ficam em dia quando temos um pôr de sol na espreita. E quilômetros a cumprir.
A tarde caia como um viaduto – de metal – e na quadra seguinte precisei abrir um container para colocar as cascas de bergamota. Afinal, faço parte da parcela da sociedade que gosta da cidade limpa. Mas nem todos têm esse intento. Ao lado da lixeira havia um sofá velho, dois pneus carecas, uma Barbie velha e cabeluda e a carcaça de uma máquina de lavar roupas. Isso está virando rotina em Santa Maria. As pessoas colocam móveis velhos nas calçadas à espera de que o poder público providencie a remoção. Caso contrário, culpa do prefeito.
Imaginem se todos os cidadãos resolvem fazer o mesmo? Mas o que mais me chamou atenção foi o interior do container. Não havia lixo, e sim entulhos.
Seria um entulho autoritário?
O morador próximo fez uma pequena reforma em casa e resolveu usar o container de lixo para se livrar do tranqueira toda ao invés de contratar um tele-entulho. Imaginem se todos os santa-marienses resolvem fazer o mesmo?
Nós, brasileiros, temos que mudar e muito nossas atitudes com o público, com a vida cotidiana.
Eu não tenho a intenção de comparar um caso isolado numa via pública – de pessoas sem educação – com os altos índices de corrupção no Brasil. Essa história de cumprimentar o porteiro não redime o corrupto das cifras dos milhões e nem o que fura a fila no supermercado. Até hoje ainda tenho dúvidas se os que estão lá em cima – nas altas esferas da república – são a representação do que realmente é a população, ou se as pequenas corrupções do dia a dia são o reflexo do que acontece nas altas esferas da república.  
Mas a comparação é inevitável. A nossa atual conjuntura é muito reflexiva. E de profunda introspecção.
Coloquei a casca de bergamota no container e continuei minha caminhada. O pôr do sol estava lindíssimo. Contemplativo.

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