quinta-feira, 9 de abril de 2020

Assembleia dos gados


Nestes tempos de destemperos verbais e físicos e filtros na mídia, uma notícia foi como uma bomba entre a gadaria. Um alvoroço geral nas pastagens. Uma grave denúncia de extermínio à comunidade. Assunto muito grave. O gado seria banido da face da Terra.
Não tinha mais o que protelar. A convocação de uma assembleia seria urgente para decidir o que fazer. Organizar a gadaria.
A assembleia extraordinária dos quadrúpedes em geral foi aberta no pastiçal à sombra de um umbu. Havia uma grave e preocupante denúncia contra um de seus protetores.
O gado-mor abriu a reunião convocando a mesa para dirigir os trabalhos. Claro, ele, o gado-mor seria o presidente e mais dois por conta das tendências dos gados: um cavalar e um muar.
Fez a costumeira saudação aos presentes e com a voz empostada comunicou que havia uma grande conspiração para acabar com a vida do gadario. Seriam eles todos transformados em bife, guisados e churrasco. Espanto geral nos presentes. Mugido de todos os naipes. Até o cavalo lobuno – único presente na reunião – deu um coice no ar. E relinchou raivosamente externando seu apoio ao movimento gadadista. 
O gado-mor complementou que uma organização criminosa estava exterminando tudo quanto era gado. E a reforma no estábulo e nos cochos era pura enganação. Aquela história de um mundo melhor era outra trapaça dos criminosos. Ração boa, água e banho era tudo para engambelar os incautos. Havia um conluio entre os produtores, frigoríficos e supermercados, armazéns, açougues e botecos em geral para exterminar a família gado do planeta.
Novo espanto na plateia. Não pode! O proprietário era uma pessoa boa. Era o patrão e tinha de ser respeitado. O peão que cuidava dos gados era, praticamente, da família dos quadrúpedes. Com a única diferença que andava em duas patas...
Uma balbúrdia tomou conta da assembleia. Confusão e discussões. O nelore e o charolês quase foram as vias de fato.
Então o gado-mor apaziguou os ânimos e falou que a gadocept havia interceptado uma conversa entre o dono do frigorífico e o dono da fazenda – o nosso mui amado patrão – e colocou o áudio da conversa para todos ouvirem.
O charolês pediu a palavra e disse que tudo aquilo era teoria da conspiração. Não acreditava em nada daquele áudio e, além do mais, interceptar conversas era crime previsto na lei. E aquele áudio estava editado.
O nelore pediu a palavra para contrapor, mas neste instante o peão da fazenda o incansável Rubi Muarlone arregimentou todos para o banho e logo em seguida para o curral.
Só o picaço relinchou, novamente, e se mandou campo fora.

Um comentário:

franco754 disse...

Boa noite, excelente analogia nesses tempos de gado que diz e depois fala que não disse ou que desiste de dizer o que tava para dizer 🤷🤷🤷