domingo, 18 de dezembro de 2011

Um pêssego

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

”Na outra margem alguém me espera com um pêssego e um país”
Os versos de Mario Benedetti no poema “A ponte” nos dão a dimensão do momento histórico e político em que vivemos. Estamos atravessando uma ponte, mas somos acometidos por uma inquietação: cruzá-la ou não cruzá-la, pois do outro lado da margem uma pessoa nos espera com um pêssego e um país.
Um poema reflexivo. Lendo-o, viajamos pelo imaginário complexo do que seja a espera de um cidadão com uma fruta com toda a singeleza que encerra e uma nação com todas as suas idiossincrasias.
A mensagem parece simples. E é. Mas, dialeticamente, também é complexa.
Talvez porque ao chegarmos na margem, após vencermos o medo da travessia, nos deparamos com um pêssego e, de quebra, um país.
O que fazer com um país e um pêssego? Não podemos escolher, a mensagem é pródiga em reflexão, justamente porque é inusitada.
Quando o povo brasileiro com coragem venceu o medo e votou na esperança e elegeu um operário presidente da República, estava caminhando por uma travessia de incertezas e não vislumbrava na outra margem um país, quiçá um pequeno e maduro pêssego.
Nós temos certeza do que queremos para um país.
O pêssego e o país. Essa é a dialética necessária. O pêssego é singelo, frágil, indefeso, simples e é possível apalpá-lo. O país é complexo, composto, gigante e para administrá-lo os desafios são grandiosos.
Esse é o maior desafio. Administrar um país como quem saboreia um suculento pêssego. É simples o que fazer com um pêssego, é complexo o que fazer com um país.
Mas nesse poema o pêssego é fundamental. Ele só é poema porque alguém está a espera com um pêssego... e um país.
Embora alguns desencantos e sonhos perdidos nós ainda percebemos uma pessoa na outra margem e vemos com nitidez um país e um pêssego. Trazemos apenas os olhos cansados, um andar falquejado e mãos trêmulas que rogam por paz e justiça e, na maioria das vezes, por um prato de comida. No entanto, nosso sorriso é largo porque somos nós que enfrentamos essa travessia em busca dessa fruta.
E, enquanto a oferenda for um pêssego e um país nós ainda podemos acreditar na utopia que nunca deixará de ser possível.
Nós perderemos a esperança quando alguém na outra margem nos espera apenas com um país. Aí, sim. Será o fim do que resta de uma utopia possível, pois não descascaremos uma fruta e não lambuzaremos nossas mãos com o seu caldo antes de comandarmos um país.


Abaixo transcrevo o poema.



A Ponte



Pra cruzá-la ou não cruzá-la

eis a ponte

na outra margem alguém me espera

com um pêssego e um país

Trago comigo oferendas desusadas

entre elas um guarda-chuva de umbigo de madeira

um livro com os pânicos em branco

e um violão que não sei abraçar

Venho com as faces da insônia

os lenços do mar e das pazes

os tímidos cartazes da dor

As liturgias do beijo e da sombra

Nunca trouxe tanta coisa

nunca vim com tão pouco

Eis a ponte para cruzá-la ou não cruzá-la

E eu vou cruzar sem prevenções

Na outra margem alguém me espera

com um pêssego e um país.



(Mário Benedetti)

História do PT

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A espera foi longa – dois meses – pela chegada do livro “História do PT” de Lincoln Secco, encomendado na Cesma. Até hoje não entendi o motivo da demora, penso que foi distribuição. Mas isso, agora, não vem ao caso.
Confesso que num primeiro momento após ter lido algumas resenhas sobre o livro julguei tratar-se de loas, loas e mais loas ao partido. Mas não foi o que li.
Para quem gosta de política, acompanhou atentamente a redemocratização do Brasil ou votou em Lula em alguma eleição a leitura é obrigatória. Para quem ama o partido pode ser indigesta e para quem odeia, esclarecedora. Podemos pinçar epopeias como também falcatruas. Mas um livro fundamental para nossa compreensão política. Pois, um partido é formado por pessoas e pessoas erram e acertam. E o PT nunca teve imune a esses desatinos.
A temática é atraente e o historiador sabe contar a história. Secco faz um relato honesto da trajetória do PT nessas três décadas. Nos mais variados acertos, sonhos e utopia, como também, nos desencontros e contradições. A análise de Secco é assentada na razão – vamos dizer fria – da história.
Quando entendemos as origens do PT poderemos compreender o atual estágio porque passa o partido. Fica identificada a evolução da composição interna das tendências, as disputas pelo poder dentro da agremiação e os embates ideológicos nos congressos e encontros e atualmente a disputa por espaços nas máquinas dos governos. Um dado é óbvio: O PT não é mais o mesmo da sua fundação.
Sabemos que o PT foi fundado por três seguimentos: Igreja, grupos da luta armada e sindicalistas. Mas o autor desdobra esse tripé. Então, ficamos com seis fontes no nascedouro do partido: Sindicalismo, igreja, políticos estabelecidos no MDB, intelectuais, militantes de organizações trotskistas e remanescentes da luta armada. Olhando-se dessa maneira podemos ver a complexidade que é o PT no campo da ideologia. O partido no seu nascedouro era um turbilhão ideológico. Ao conquistar os governos e precisando administrar, essa teia fica arrefecida nas engrenagens das administrações. Mas pulsante no interior do partido.
Algo, para mim, foi novidade ou havia esquecido. Os debates sobre políticas de aliança na década de noventa consta que alguns deputados queriam uma aliança orgânica com o PSDB, dentre eles, o dep. Eduardo Jorge PT-SP defendia essa ideia. Diante dessa frase meu avô diria: Ala pucha!!
A segunda derrota eleitoral a presidência houve uma verdadeira guerra verbal. E um grupo de deputados – um deles o Genoino – tinha o apoio da imprensa para fustigar o PT. Afinal, a história também nos surpreende. E alguns porquês a gente vem a entender muito tempo depois.
Outro dado que passou despercebido pelo militante comum foi que um dirigente do partido ganhou uma grana vendendo o mapa das tendências para consultoria empresarial. E isso torna-se reflexivo quando olhamos para o nascedouro do PT. Ao longo do tempo o partido vai perdendo suas mais caras convicções. Se lá no começo “O PT afirma seu compromisso com a democracia plena exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo sem democracia e nem democracia sem socialismo”. Pg 101. O capitulo sobre a “Carta ao Povo Brasileiro” é aberto com uma frase de Eric Hobsbawm “as oposições não conseguem vencer apenas por mérito próprio. No geral, é o fracasso dos governos que garante a vitoria”. Emir Sader afirma “quando a esquerda chegou ao governo central no Brasil ela já havia perdido a batalha das ideias.”
Atualmente, para Hobsbawm o PT pode ser considerado o último exemplo de um partido social-democrata de massas. Para Jacob Gorender o PT assumiu o comportamento moderado de um partido social-democrata.
Com todas as contradições acertos e erros o PT foi fundamental para a democracia brasileira. Queiramos ou não, o PT faz parte da história recente do Brasil e detém uma contribuição significativa para o aprimoramento dessa democracia. Lincoln Secco nos conta a história do PT, mas, indiretamente, conta a história do Brasil e da esperança de um povo num partido de massa e num líder operário.
No final do livro temos uma interessante cronologia de 1978 a 2011. Um glossário onde veremos a definição para “Capa Preta”; “Duas camisas”; “Tese-guia”; “Trotskistas”; “Xiitas”; “Questão de ordem” e outros tantos termos da vida partidária. Também temos um quadro com a evolução das tendências. Assim, os consultores empresariais não precisam pagar para ter acesso a elas.
“História do PT” um livro para ser lido por todos aqueles que gostam e odeiam a política. Eu li – e recomendo – porque gosto.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Glândulas coxais e o cupreto de Índio

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O Colégio Estadual Manoel Ribas nos reserva doces lembranças dos tempos de estudante secundarista. Algumas peripécias enquanto jovens nós guardamos em um cantinho especial de nossas saudades.

Eu cursei as últimas séries do ensino fundamental e o ensino médio no Maneco. Foi naquele amplo pátio que cruzamos nossos primeiros olhares e despertamos as primeiras paixões juvenis. E foi através desses olhares desencontrados que uma garota de olhos e cabelos castanhos ocupou boa parte dos meus pensamentos e um largo latifúndio no meu improdutivo coração.

Embora tenha sido um dedicado desportista eu não tinha a mínima aptidão para o vôlei e para o handebol. Não tinha altura suficiente para o basquete e era pouco criativo no futebol. Hoje, agradeço ao divino por não ter sido iludido com meus parcos talentos com a bola. Em química era como no futebol. Dava para o gasto, mas jamais seria um Linus Paulling. Nos estudos eu era fera em matemática e péssimo em português. Gostava de história e literatura e odiava inglês. Até hoje tropeço no “How are you?”.

O nosso ciclo juvenil encerrava com o fantasma do vestibular. Os cursinhos eram peritos em elaborar estratégias com a finalidade de memorização. Os conteúdos eram transformados e facilitavam o aprendizado ou a “decoreba”, como se dizia outrora. E, em seis meses o aluno estava apto para enfrentar o dito “fantasma”. Havia um locutor de rádio que dizia “veeeeeeeeeeeesssstibular” e o nosso coração saia pela boca.

Tínhamos ciência que o ano que antecedia ao vestibular mudaria o rumo de nossas vidas. E por isso estudamos muito, algumas dicas ainda permanecem em nossas mentes e jamais esqueceremos. Porque foram marcantes. Antigamente fazia-se cursinho no último ano do segundo grau. Os menos favorecidos, no segundo semestre e os ainda menos favorecidos, que era o meu caso, apenas o intensivo de dezembro. Não havia outro jeito, tínhamos que viver debruçados nas apostilas, que naqueles tempos chamávamos de polígrafos. Hoje, com essa nova modalidade de ingresso ao ensino superior os pais têm que se preparar para desembolsar três anos de cursinho e mais o curso pré-vestibular do último ano e o intensivo, lógico.

Voltando às dicas, a tabela periódica era pródiga em siglas e frases que facilitavam a memorização. “H LiNaK Roubou o Cézio do Frâncio”. Incrível, não? Ou então. “BeBa Magnésio Senhor CaRa”. Nossa!!

As três Leis de Newton eram obrigatórias. A que eu mais gostava era a Lei da Inércia, se não me engano, a primeira Lei de Newton. Era utilizada como desculpa para não fazer os exercícios em sala de aula. Ou seja, um corpo em repouso. E, estava praticando a primeira Lei de Newton. Aí a “profe” que naquela época era “fessora”, me mandava pelo MRU em direção a sala da Direção.

O binômio de Newton era algo absurdo. Deste tamanho. Esse eu não me lembro. A biologia era um horror, como alguém guardaria aquela montanha de nomes, todos estranhos e, na maioria das vezes, em latim. Alguém se lembra do que é um mitocôndrio? Monocotiledônea? Platelmintos? Gimnosperma não é um potente espermatozoide.

As minhas melhores notas sempre foram em trigonometria. O seno de um ângulo era o cateto oposto pela hipotenusa – que eu sempre achei que fosse alguma coisa ligada ao hipismo. A tangente era o cateto oposto pelo adjacente. Será que ainda é?

Bonita mesmo era a fórmula de Báskara. “Sobre dois a”, era um fecho fenomenal. Era um poema cubista. Você recitava um monte de letras e raiz no numerador e fechava o denominador com o “sobre dois a”.

Hoje, percebo que o Teorema de Pitágoras tem uma plasticidade de causar inveja a uma escultura de Auguste Rodin. O quadrado da hipotenusa (ela de novo, a Deusa do Hipódromo) é igual a soma dos quadrados dos catetos. É como a cerveja que desce redondo. E eu diria que essa Deusa têm belos e fartos catetos.

Em português eu tinha uma contrariedade com aquelas malditas orações. Eu nunca soube e até hoje não sei identificá-las. Eu era incomodado com as orações subordinadas. A injustiça sempre me causou indignação. Então, antes de saber qual era a oração eu ficava ansioso para saber o porquê de toda aquela subordinação. Eu queria orações livres. Orações libertas e adversativas. As orações subordinadas eram simplesmente inaceitáveis. Acho que o golpe de 64 tem alguma coisa a ver com as orações subordinadas.

Até admitia que uma oração conformativa pudesse ser subordinada, mas não admitia que uma oração adversativa fosse coordenada, eu achava inconcebível. Adversidade não se coaduna com coordenação. Era o que eu pensava. E talvez por isso eu nunca aprendi. Apenas identificava as que começavam com “mas”. Justamente as coordenadas adversativas.

Eu não sei se, por um complexo malresolvido ou um desvio pseudoerótico de minha conduta, mas dois momentos daquelas memoráveis dicas eu jamais esqueci, aliás, não eram dicas, eram nomes que lembravam, de certa maneira, uma sensibilidade supostamente sensual e escandalosamente pornográfica. São as “glândulas coxais” e o “cupreto de Índio”.

Parece brincadeira, mas as glândulas coxais nós encontramos nas aranhas que é um aracnídeo e o cupreto de Índio é uma substância química composta pelos elementos cobre e índio, cuja fórmula eu não me lembro.

Por isso, quando vemos as Sheilas dançando lembramos dos aracnídeos. Elas, sim, possuem as verdadeiras glândulas coxais.

Já os Caingangues... os Pataxós... deixa pra lá.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Bem-vindos ao inferno

Como a literatura é divina, infernal e bonita! Nossos pensamentos vagueiam em contradições, numa dialética bicolor. A literatura é grandiosa, vasta e infinita. E, hoje, cada vez mais instantânea e virtual.
Esse livro de crônicas – cujo título homenageia a Galera no Beira-Rio , “Bem-vindos ao inferno” – tem o intuito de transformar nossa paixão pelo Internacional em uma leitura prazerosa.
Os deuses fazem literatura. Essa é a premissa. Os deuses... e os diabos. O céu e o inferno.
Os que escrevem a verdade. Escrevem certa verdade, sendo deuses ou diabos. Estando no céu ou no inferno. São os paradigmas de quem tem o vermelho da paixão. Assim, como os deuses escrevem? Certo e com a razão, talvez até escrevam em azul. Os diabos escrevem errado e com a emoção, talvez escrevam em vermelho.
A literatura tem os temperos do céu e do inferno. Os deuses temperam com ervas aromáticas e os diabos, com pimentão. O vermelho é “caliente”, é latino-americano. O azul é polar, é Antártida. O vermelho e o azul, essa é a bipolarização. Seu coração é livre para escolher. Mas, como resolver essa contradição, se meu coração é vermelho e a liberdade é azul?
O paraíso é azul e o inferno é vermelho? Por que é sempre assim? Quem inventou essa convenção?
Graças à literatura, nós vamos ao céu na companhia dos anjos, vamos ao inferno com os demônios. Retrucamos marmanjos que escrevem pandemônios. Vamos à praça, ao rio e ao mercado. À floresta, às profundezas dos oceanos e ao topo do mundo. A literatura nos leva aos confins do universo. Inclusive, por conta da literatura, somos “Bem-vindos ao inferno”.
Escrevemos, todos, deuses ou diabos, e queremos exprimir nossas opiniões, anseios monocromáticos e ideias vãs.
Escrevemos um texto, convictos de que são os deuses que escrevem. Mas o que é a convicção senão a maior inimiga da verdade? Já dizia Nietzsche. Então, contestamos... porque o vermelho é que nos emociona. Somos deuses ou diabos quando exaltamos nossa paixão colorada. Não nos importa se o vermelho é a cor do inferno, pois são os homens que denominam o que é deus e o que é diabo. A cor do céu e a cor do inferno. Então, simplesmente, escrevemos. E optamos pelo lugar onde queremos ser acolhidos.
Nesse “Bem-vindos ao inferno”, não desejamos o fogo ou as trevas para os leitores, apenas externamos nossa exacerbada paixão pelo clube do povo do sul do Brasil.
Sejam “Bem-vindos ao inferno!”.

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
Santa Maria da Boca do Monte, 17 de dezembro de 2011

sábado, 19 de novembro de 2011

A pedra do doutor Getulio


Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

O feriado de 15 de novembro, uma terça-feira meio doida, as minhas opções variavam entre o Facebook, Twitter e um livro. Optei pelo livro e fui para o balanço de uma rede.
Adquiri “A Pedra do doutor Getulio” na feira do livro de Porto Alegre. O motivo foi bem singelo: fui atraído pelo desenho de um cadáver no chão. Em capa de livros policiais – volta e meia – é utilizado como ilustração o desenho de como foi encontrado o corpo assassinado. E sempre uma das pernas está encolhida...
Um desenho desses junto a um monumento histórico às margens do rio Uruguai é mais instigante. Não tive dúvidas, comprei.
O mais interessante nessa narrativa é que o investigador Manuel Ramos é assassinado nas primeiras 18 linhas do livro. Mas a história está recém começando.
Manuel Ramos é o delegado sem a menor vocação para investigador. Uma espécie de anti-herói da história que tinha como sonho ser cantor de tango em Buenos Aires.
A trama se passa entre 1942 e 1951. Inauguração da ponte internacional em Uruguaiana e Paso de Los Libres. No dia primeiro de janeiro de 1942 um barqueiro encontra um cadáver junto ao monumento. A partir desse estranho assassinato entram na história personagens como Hitler, Getulio Vargas e Osvaldo Aranha, tendo como pano de fundo a Uruguaiana da década de 40.
Termina, como ficamos sabendo na primeira página do livro, com o assassinato do investigador Manuel Ramos em Buenos Aires em 1951.
Um único senão, a capa eu achei pouco criativa.
Li a primeira página e só larguei quando li a última. Certamente, o próximo livro de Mauro Maciel terá a minha leitura. Uma estreia com fôlego nessa narrativa.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Síndrome de Carol

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter/athosronaldo

A Feira do Livro de Porto Alegre é um evento cultural de visitação obrigatória.
Todos os gaúchos deveriam ter uma espécie de Bolsa-Leitura para desfrutar de um dia na companhia dos livros e escritores. Então, dediquei um sábado para vasculhar os estandes a procura de boas leituras e entretenimento.
Um sábado é pouco, mas para quem precisa enfrentar 600 Km de estrada já é mais do que suficiente.
Eu poderia comentar sobre as obras adquiridas, uma boa e pesada dúzia de livros. Ou abordar sobre o agradável bate-papo com um amigo escritor. Mas, das minhas aquisições, vou destacar somente uma que vale como dica de leitura, como presente de fim de ano ou para ficar admirando diante da estante. “Contos Gauchescos e Lendas do Sul” de João Simões Lopes Neto. Uma edição luxuosa do Instituto Estadual do Livro. E um preço popular: R$ 19,99.
Cheguei por volta das onze horas numa Porto Alegre escaldante. Usei o Trensurb da rodoviária ao mercado e, ali mesmo, almocei. Um restaurante de primeira. Talheres, pratos, toalhas e cardápio impecáveis. Não pedi um vinho, pois teria que deixar um dos olhos da cara. Tomei um suco de laranja. Saciado, fiquei imaginado outras hipóteses.
Se eu tivesse ido a uma lancheria de quinta, pedido um pastel de vento e uma fanta uva. Saborearia o lanche diante de uma mesa de fórmica vermelha com partes lascadas e cadeiras de ferro enferrujadas. A garçonete poderia ser uma oleosa e mal-educada jovem, com um pano de prato sobre o ombro e com desodorante vencido. Imaginei que eu poderia zanzar pela feira e não ter achado nada que prestasse naquelas porcarias de saldos.
Um tumulto pelos corredores, roubaram minha carteira, perdi meu celular e meu cartão de crédito foi clonado. Tomei um banho de suor, caí no conto do bilhete premiado e comprei um relógio do Paraguai. Então, conclui que se eu tivesse tomado uma taça de vinho eu teria sido mais criativo nas minhas divagações. Cair no conto do bilhete premiado num sábado! Nem na ficção.
Como sou vacinado contra a “Síndrome de Carol”, eu devo dizer que minha tarde de feira foi exitosa. Gostei das minhas aquisições, principalmente dos autores gaúchos. Adorei o tumulto da feira e achei bons exemplares nos saldos.
Havia anoitecido quando peguei novamente o Trensurb do mercado até a rodoviária. Um senhor, meio perdido, perguntou onde era a Estação São Pedro, pois iria visitar o irmão que estava hospitalizado e não conhecia muito bem a capital. Era de Santa Maria.
– O senhor é de Santa Maria? Estou voltando agora às nove e meia – falei.
A vida é cheia de surpresas e contradições. Uns vem a Porto Alegre para desfrutar a feira do livro e extrapolar o limite do cartão. Outros para visitar o irmão que sofreu um acidente de carro, contando os trocados.
– Coincidência... – falou com um olhar sonhador.
Desci na rodoviária e, certamente, não verei mais o conterrâneo.
Assim, encerrei meu dia de feira do livro de Porto Alegre com alguns livros na bagagem.
A propósito: declaro para os devidos fins que o texto acima tem a pretensão de ser literário.
Ah! De lambuja ganhei um autógrafo e um beijo da ministra.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

7.000.000.000º

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

No último dia 31 de outubro – que é consagrado às bruxas, mas que o Saci Pererê e o Drummond pegam uma carona – a população da Terra atingiu a marca dos 7.000.000.000 de habitantes.
Em pouco mais de uma década o mundo cresceu um bilhão de pessoas, pois em 27 de janeiro de 1998 completamos meros seis bilhõezinhos de seres. Então, podemos concluir que na Copa de 2022, no Qatar, seremos oito bilhões de torcedores.
Quem será o sétimo bilionésimo vivente do planeta? Segundo dados dos organismos internacionais que espalham gráficos e tabelas estatísticas, o guri nasceu na África. Não vou colocar em dúvida, alguém deve ter feitos profundos estudos para concluir que o sétimo bilionésimo terráqueo nasceu na madrugada do dia do ferroviário em algum lugar do continente africano.
No entanto, segundo os meus parcimoniosos estudos – demográficos e “teográficos”, bem entendido? –, o 6.999.999.999º habitante nasceu na hora da sesta em Restinga Seca ou na grande Formigueiro. Um dado importante é que esse taura tem 80% de chances de ser colorado e 20% de chances de ser do PT, mas são dados imprecisos, com margem de erro de quatro pontos percentuais para mais ou para menos.
Não tenho bases cientificas para saber onde nasceu o sétimo bilionésimo primeiro humano (esse número é mais fácil de escrever). Corre um boato que foi ali pras bandas do Boqueirão. Podemos afirmar com 99,99% de acerto que o guasca é Missioneiro, não, necessariamente, galo.
Está rodando um email na internet que calcula qual a sua colocação entre os habitantes desse mundão de Deus. Digitei minha data de nascimento e verifiquei que eu fui 3.057.099.650º e em toda a história da humanidade eu fui o 76.725.447.578º. Com esses números fiz uns desdobramentos para Mega-Sena, mas tudo foi em vão.
Somos sete bilhões de humanos e uma preocupação salta aos olhos ante aos olhares de uma legião de famintos, maltrapilhos, excluídos, amordaçados pela opressão, perseguidos políticos, ditadores e um sem fim de agruras proporcionadas pela má distribuição de renda. O fato é que sete bilhões de terráqueos lutam por uma vida melhor em um mundo mais solidário.
Se os donos do mundo que, volta e meia, se reúnem em torno de um G. Se o G4, G8, G20 ou qualquer G reunido, resolverem um pequeno percentual da miséria dos homens e mulheres que suplicam por um prato de comida, podemos crer que os bilhões das próximas décadas terão uma vida melhor.
Enfim, se os humanos irão viver num mundo mais igualitário é uma aposta. Uma aposta que só será perdida quando os oito, nove ou dez bilhões que virão não tiverem mais um horizonte utópico. Aí pouco importa se a cidade natal do décimo bilionésimo humano for Restinga Seca, Formigueiro ou Paris. Pois, o que seria da vida na Terra se nos tirassem a possibilidade de sonhar?