quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O tempo... passou ligeiro

O inverno lá fora está inclemente. A noite é fria e uma bruma toma conta da cidade. Na sala o crepitar da lenha na lareira. O nó de pinho se consome lentamente. Fecho o “Pequenas Criaturas” de Rubem Fonseca e fico contemplando a dança das labaredas que aquecem o ambiente.
Nesses momentos de introspecção os pensamentos voam para o passado. A mente busca lá no fundo da memória momentos especialmente gravados. A primeira recordação vem dos tempos que um grupo de amigos reuniam-se para tocar e cantar. Eram encontros com a música regional nativista, regados a chimarrão e cachaça com mel. Não sei se tínhamos algum talento, mas o melhor de tudo era o prazer das nossas tertúlias musicais. Percebo que o tempo passou e passou ligeiro. Passados vinte anos muitas coisas mudaram. Estamos dispersos e deixamos no passado um pouco de nossos anseios. E alguns sonhos irrealizáveis.
Naqueles anos 80, em que não nos perdemos por aí, éramos jovens e queríamos muita aventura. De quebra, se tudo desse certo, transformar o mundo. Se a classe dominante bobeasse, nós faríamos a revolução. Não posso deixar de lembrar que tínhamos uma indignação ante as injustiças e a miséria, isto é muito importante quando resgatamos do nosso passado tais rememorações. No início da década de 80 a atividade política estava em turbulência, pois o país atravessava uma transição. A ditadura cerrava suas portas e a democracia surgia para os brasileiros tal qual a conhecemos.
Hoje, não somos mais revolucionários, mas continuamos indignados. Não usamos mais a boina preta, mas a injustiça e a miséria ainda maltrata nossos eternos corações de estudante. Nós amadurecemos. Inclusive nossa indignação também amadureceu, e nesse amadurecimento têm certas coisas que a gente não pode perder, e uma delas, sem sombra de dúvidas, é sensibilidade diante das coisas belas, da arte, da ternura, da cultura, das coisas simples da nossa vida. Brincadeiras com os filhos. Passeio pelos parques e praças da cidade. Chimarrão com os amigos ou jogar conversa fora na mesa de algum boteco. Certamente, buscar na simplicidade a sua essência.
A velocidade do mundo atual não nos permite tempo para as coisas simples da vida. Estamos gradativamente perdendo a humanidade. O trabalho nos enclausura. E somos dependente da máquina. Daqui a alguns anos meu piazito estará fazendo 20 anos e eu não o terei visto jogar bolitas, sujar as roupas no varal jogando bola, tomar banho de chuva ou riscar as paredes da casa com as canetinhas da mana.
Infindáveis e numerosas reuniões, nas quais a gente acaba se metendo, fomentam nossa insensibilidade, a alienação para a vida e para as pessoas que estão ao nosso redor.
Na lareira o nó de pinho virou um amontoado de cinzas, as inexistentes labaredas, são como as lembranças, aquecem apenas a saudade. O tempo continua passando, num piscar de olhos, o presente estará há vinte anos, e as recordações ficarão mais distantes. E nós cada vez mais maduros e indignados.

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