sexta-feira, 18 de junho de 2010

África do Sul x Eslovênia *

Na Copa de 2002, realizada na Coréia e Japão, os jogos eram noturnos e nós tínhamos a torcida coruja. Uma torcida que varava as noites para assistir os principais confrontos.
Em uma madruga Jurema tem um sobressalto.
– Acorda Teobaldo! Acorda!
– Hummm... hein... o que é mulher?
– Acorda Teobaldo! Acorda!
Com um forte cutucão no marido, Jurema desperta o sonolento e lento Teobaldo no meio da noite. O visor do rádio-relógio marcava 4 horas da manhã.
– O que é Jurema? Tu ta ficando louca... no bom do sono. Bem na hora que eu iria chutar um pênalti. Isso é sacanagem e da grossa. Bem na hora que eu ia fazer um gol no Mazurkievski.
– Tão tocando a campainha, vai ver quem é.
– Quem será o maluco... acordar as pessoas a essa hora da madrugada.
– Vai lá atender, Teobaldo. Pode ser uma emergência.
Teobaldo, meio dormindo, levanta-se, coloca as pantufas verdes com pigmentos amarelos e dirige-se à porta. Tateando interruptores e arrastando pantufas pela casa adentro. Imagina doença na família. Pensou em uma tia de Caxias que tava meio mal de vida. – Com o pé no estribo – como se diz na campanha.
– Era só o que faltava! – comenta baixinho para si. – Quem sabe algum vizinho distraído, cheio de álcool após uma noite de farra.
O som estridente retumbava em seus ouvidos.
– Calma já estou indo – responde diante da insistência da “visita” em apertar o botão da campainha.
– Sim? Boa noite, bom dia... sei lá.
– O senhor é o proprietário da residência?
– Não! Sou o amante de minha mulher. Que cê acha?
Teobaldo boceja longamente, escora a cabeça no marco da porta, quase dormindo. Ainda não vislumbrou a fisionomia do indivíduo a sua frente. Sente-se um traste humano semi-acordado. As faces cansadas e os ombros caídos são consequências de uma noite mal-dormida. Ainda lamentava o gol perdido contra o Mazurkievski.
– Eu sou o pesquisador do Ibope e gostaria de saber quantas pessoas estão assistindo o jogo da África do Sul contra a Eslovênia?
– Hãm??!!
O único barulho ouvido por Jurema foi o estrondo da porta, fechada violentamente. Em seguida os passos de Teobaldo, calmamente, em direção ao quarto.
– Tem gente que não tem o que fazer. Pesquisa do Ibope. Por que não vai fazer pesquisa na China? Ora! Me aparece cada um!
– Quem é esse tal de Mazurkievski?
– O goleiro do Uruguai.
– Teobaldo, acorda Teobaldo. O Uruguai não está jogando essa Copa. Dããnnn.
– Da Copa de 70, Jurema, eu estava batendo um pênalti na Copa de 70.
Virou para o lado e dormiu o sono dos justos.
– Goooooooooooooooooollllllll.
Jurema acorda sobressaltada.
– O desgraçado do juiz anulou.
– Dorme, Teobaldo! Dorme!

* 4º lugar no concurso literário de contos crônicas e poesias 2009 da FECI – Fundação de Educação e Cultura do Sport Club Internacional.

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