domingo, 1 de abril de 2012

A ditamole


Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Não faz muito tempo em editorial, o jornal Folha de São Paulo insultou a memória de todos aqueles que lutaram, e muitos perderam a vida, pela redemocratização do Brasil. Um editorial arrogante, pois, inclusive, tiveram a audácia de usar um neologismo ditabranda para reduzir as consequências da ditadura militar no período de 1964 a 1985.
Quem de nós não conhece um companheiro ou filho ou neto de um bravo brasileiro descendente dos anos de chumbo. Quem não conhece os relatos dos cárceres da ditadura. Nós não renegamos a morte de Lamarca, Marighela, Fiel Filho e um sem fim de lutadores.
Aquele editorial da Folha de São Paulo soou como um deboche, um escárnio para quem leu minimamente qualquer livro desse período. Daqui a algum tempo teremos classificações para as ditaduras: a ditalíquida, ditamole, ditabranda e a ditadura. Conforme o número de mortes e desaparecidos serão enquadrados em cada categoria. Assim, em uma honorável reunião de ditadores, sob o tilintar de cálices de cristal, poderemos ouvir comentários como: minha ditabranda só assassinou 5 mil guerrilheiros. A tua matou muito mais. Mas, mesmo assim, eu sou teu fã. A minha é uma ditalíquida, eu só estou há quarenta no poder.
Se não fosse lúgubre seria hilário. Então, meus caros, escolham a sua dita. É vergonhoso para quem se diz humano, racional e um sobrevivente cidadão do século XXI.
No Brasil não temos punidos. Mas temos benesses para quem provar que foi perseguido, preso e torturado. Como se uma pensão sepultasse as sequelas dos cárceres e do ódio dos torturadores. Até hoje tem brasileiros que não dormem porque estão sempre na expectativa de uma botina na porta e um fuzil na cabeça.
O Brasil, ao contrário de outros países da América Latina, recusa-se abrir esses arquivos. Não me surpreenderia se num futuro estaremos dando vivas ao general Medice. A ditadura militar brasileira ainda está no subsolo dos bem-guardados arquivos e longe dos livros de história. Esse silêncio todo me atordoa – verso de Chico Buarque – Cálice.
Viva a ditabranda – e cale-se – nossas cicatrizes não serão mais as mesmas. É mole?

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