Não faz muito tempo em editorial,
o jornal Folha de São Paulo insultou
a memória de todos aqueles que lutaram, e muitos perderam a vida, pela
redemocratização do Brasil. Um editorial arrogante, pois, inclusive, tiveram a
audácia de usar um neologismo ditabranda
para reduzir as consequências da ditadura militar no período de 1964 a 1985.
Quem de nós não conhece
um companheiro ou filho ou neto de um bravo brasileiro descendente dos anos de
chumbo. Quem não conhece os relatos dos cárceres da ditadura. Nós não renegamos
a morte de Lamarca, Marighela, Fiel Filho e um sem fim de lutadores.
Aquele editorial da Folha de São Paulo soou como um deboche,
um escárnio para quem leu minimamente qualquer livro desse período. Daqui a algum
tempo teremos classificações para as ditaduras: a ditalíquida, ditamole,
ditabranda e a ditadura. Conforme o número de mortes e desaparecidos serão
enquadrados em cada categoria. Assim, em uma honorável reunião de ditadores,
sob o tilintar de cálices de cristal, poderemos ouvir comentários como: minha ditabranda só assassinou 5 mil
guerrilheiros. A tua matou muito mais. Mas, mesmo assim, eu sou teu fã. A minha
é uma ditalíquida, eu só estou há
quarenta no poder.
Se não fosse lúgubre
seria hilário. Então, meus caros, escolham a sua dita. É vergonhoso para quem
se diz humano, racional e um sobrevivente cidadão do século XXI.
No Brasil não temos
punidos. Mas temos benesses para quem provar que foi perseguido, preso e
torturado. Como se uma pensão sepultasse as sequelas dos cárceres e do ódio dos
torturadores. Até hoje tem brasileiros que não dormem porque estão sempre na expectativa
de uma botina na porta e um fuzil na cabeça.
O Brasil, ao contrário
de outros países da América Latina, recusa-se abrir esses arquivos. Não me
surpreenderia se num futuro estaremos dando vivas ao general Medice. A ditadura
militar brasileira ainda está no subsolo dos bem-guardados arquivos e longe dos
livros de história. Esse silêncio todo me
atordoa – verso de Chico Buarque – Cálice.
Viva a ditabranda – e
cale-se – nossas cicatrizes não serão mais as mesmas. É mole?
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