quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Retouço na sauna


Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A festa de confraternização de fim de ano tinha tudo para ser inesquecível. E foi.
Apenas os saunistas fariam parte da comemoração. Sem as digníssimas e, principalmente, sem as indigníssimas – como comentou o organizador –, festa só para o machario. O cardápio: uma desejável e apetitosa ceia de Natal.
Um dos frequentadores doou dez perus e outro, duas caixas de cerveja. Estava feita a festa. Na noite de 18 de dezembro na sociedade 3 de Outubro Tênis, Remo, Bocha e Pingue-pongue, muitos sorrisos e tintins de cálices e copos. A cerveja rodava solta e, perfeitamente gelada, ornamentava os cristais nas mãos dos bebuns.
No salão ao lado, um outro encontro para celebrar o fim de ano dos tradicionalistas. Peões, prendas e patrões de CTGs. A alma campeira também celebrava os festejos de dezembro. Moçoilas faceiras e prendas recatadas. Gaúchos de bombacha e barbicacho. No centro do salão, tinidos de adagas e esporas. Na churrasqueira fumegava a picanha e a costela num incandescente braseiro. Aos cuidados de um exímio assador, peão de uma estância e flor de bagual.
Entretanto, quero ater-me ao recinto festivo dos saunistas, sem o rito tradicional dos Centros de Tradições. O ambiente seria uma simples comemoração com desejos mútuos de felicidades no ano novo, se o Chicão não chegasse acompanhado com quatro “primas”. Justamente quatro indigníssimas – no linguajar do organizador – e belas beldades.
Quatro formosuras de cair o queixo, levantar sobrancelhas e parar o trânsito. De deixar o mais insosso dos mortais com olhos saltitantes e babando uma saliva sádica.
Foi um alvoroço entre os convivas. Olhares gananciosos e sorrisos matreiros.
– Vai ter sorteio! – gritou um gaiato.
– Opa, esta é uma sociedade familiar – comentou alguém menos afoito.
– Iiiiiiiiiiiiiiaaaahhuhuhuhu!! – gritou um saunistas metido a guasca, esfregando as mãos com uma satisfação exacerbada, bombeando uma das gurias.
Uma morena fogosa e três estonteantes loiras embelezavam a mesa do Chicão. Sorridentes, perfumadas e belas. Os olhares traiçoeiros se cruzavam num vaivém desmedido. Chicão era a simpatia em pessoa. Largos sorrisos, gestos lentos e gentilezas vãs. Estava empolgado, garboso e faceiro. O dono do pedaço... e das minas.
O Pedro Espanhol, da Diretoria do Clube 3 de Outubro Tênis, Remo, Bocha e Pingue-pongue, achou um absurdo. 
– Uma sociedade de respeito não pode permitir uma afronta dessas, eu exijo a retirada imediata dessas gurias do recinto – esbravejava na porta do salão. O Espanhol dava pulos de raiva e escabelava os próprios cabelos.
O Saldanha, um aposentado fanfarrão, disse que a sociedade merecia mais consideração e se propôs conduzir as gurias para fora dos domínios do Clube.
– Deixa que eu tomo conta delas – falou sorrindo.
O Garcia, um comerciante de bugigangas, quase mal-educado, afirmou categoricamente que a culpa era do porteiro.
– Ele deveria ter pedido a identificação das moças. O porteiro deixou as minas entrarem. E vamos com calma que eu estou apaixonado pela morena.
– Era só o que faltava... a culpa agora é do porteiro – retrucou o único e solitário “cumpanhero” na festa em defesa do humilde trabalhador.
Nesse instante uma senhora da mais alta estirpe tradicionalista gaúcha trancou a porta do salão de festas.
– Isso é uma pouca vergonha – batendo a porta na cara de um incrédulo saunista.
– Ora, vá se queixar ao padre, ao bispo ou ao papa... – retrucou o incrédulo saunista.
Depois do tumulto da chegada triunfal das amigas, ou primas, ou indigníssimas do Chicão elas foram gentilmente convidadas a se retirarem. O Clube 3 de Outubro Tênis, Remo, Bocha e Pingue-pongue não permitiria a presença das chinas ali no salão de festas.
E saíram fogosas, audaciosas e rebolando diante dos olhares de admiração dos incautos, sonhadores e babando fios de ovos. A noitada de um ansioso dezembro estava desfeita.
– Mais um minuto e vou embora apaixonado – sussurrou desolado o Garcia.
– Isso vai dar rolo e suspensão.
– Mas as primas eram rechonchudas... graciosamente volumosas. Eram monumentos ao prazer. Eram quatro obras-primas dignas de um Picasso. O Pablo, claro.
Bem, a festa continuou sem as gurias e o Chicão.
Os remanescentes beberam cervejas e estouraram champanhas na companhia das estrelas num céu escuro. E cada galanteador foi pra sua casa dormir o sono dos justos.
No outro dia, no cair da tarde, estavam uns festeiros suando na sauna seca. Destilando a cerveja da noite anterior.
Nesse momento o Garcia provoca dizendo que nos bailes do clube 3 de Outubro Tênis, Remo, Bocha e Pingue-pongue qualquer mulher entra, é só pagar. Isso aqui está cheio de percantas e sócios de qualquer espécie – completou.
– Tu ta falando isso pra mim – retorquiu o Saldanha.
– Se te serviu o chapéu, estou – prontamente respondeu Garcia.
De pronto Garcia avançou em direção ao colega de sauna empurrando-o contra a parede. Saldanha devolve com um soco direto no nariz de Garcia. Este, desequilibrado, senta no colo de Papada Papudo.
Papada Papudo é um senhor bonachão e sem maldade. Para ele tudo está bem.
– Opa, que isso aqui ta fervendo. E vamos manter uma distância regulamentar pessoal. O espaço é pequeno e tem muito pelado – Papada Papudo comentou sorrindo.
Novamente os dois valentões levantaram e se atracaram dentro da sala da sauna. Fechou o tempo no ambiente. Ronaldão – jogador da várzea e forte como um touro – se meteu no meio da briga e levou um cruzado no maxilar. Cuspiu meia dúzia de dentes.
– Pessssoal, vamossss parar com isssso. Doissss amigossss brigando! – e saiu com a mão na boca, assobiando quando falava palavras com “s”.
– Eu não aparto briga de homem pelado! – sentenciou um pelado no meio da sala quente.
– Já te pego pilantra – vociferava Garcia lavando o rosto na pia.
– Isso aqui é um estágio para o inferno.
E se atracaram novamente. Novamente o Garcia cai em cima do motor com a sopa de pedras que esquenta a sauna. E sai gritando porta afora com a toalha fumegando na bunda.
– Eu não aparto briga de homem pelado! – insistia um perseverante no interior do recinto da sauna.
– Essa confusão só pode ser coisa do PT ou da Rita – retrucou um trabalhista que odiava o partido do presidente e adorava novelas.
– Bah! A dialética do absurdo... ou seria o absurdo dialético? – simplesmente respondeu o petista solitário.
– E eu vou sair daqui porque não posso ver sangue.
– Mas tchê, tu é médico.
– Ah! É... mas estou aposentado.
– Num bochincho certa feita, fui chegando de curioso – começou a declamar um gauchito do outro lado da sala de descanso.
Enquanto isso Garcia era carregado, todo ensanguentado e com a bunda vermelha, para fora da sauna para ser atendido com os primeiros socorros. E, aparentemente, o clima no ambiente voltou ao normal, ou melhor, continuou quente, afinal os brigões estavam numa sauna.
Garcia ainda estava sendo carregado quando um sujeito estranho ao ambiente da sauna entra no vestiário. Calmamente e em silêncio, dirigiu-se a sauna seca. Usava apenas uma bombacha preta e chinelos de dedos, possuía um bigode de causar inveja ao Guri de Uruguaiana.
Os presentes no recinto se entreolharam. Achando meio esquisito a presença e a indumentária do saunista gaudério. E o bombachudo não se fez de rogado.
– Onde estão as percantas? – pergunta, ajeitando o bigode.

Um comentário:

ttlopes disse...

Oi, Athos!
Acabei de dar as primeiras risadas do dia!Muito bom.
abrs