Athos
Ronaldo Miralha da Cunha
A festa de
confraternização de fim de ano tinha tudo para ser inesquecível. E foi.
Apenas os saunistas
fariam parte da comemoração. Sem as digníssimas e, principalmente, sem as indigníssimas
– como comentou o organizador –, festa só para o machario. O cardápio: uma
desejável e apetitosa ceia de Natal.
Um dos frequentadores
doou dez perus e outro, duas caixas de cerveja. Estava feita a festa. Na noite
de 18 de dezembro na sociedade 3 de
Outubro Tênis, Remo, Bocha e Pingue-pongue, muitos sorrisos e tintins de
cálices e copos. A cerveja rodava solta e, perfeitamente gelada, ornamentava os
cristais nas mãos dos bebuns.
No salão ao lado, um
outro encontro para celebrar o fim de ano dos tradicionalistas. Peões, prendas
e patrões de CTGs. A alma campeira também celebrava os festejos de dezembro.
Moçoilas faceiras e prendas recatadas. Gaúchos de bombacha e barbicacho. No
centro do salão, tinidos de adagas e esporas. Na churrasqueira fumegava a
picanha e a costela num incandescente braseiro. Aos cuidados de um exímio
assador, peão de uma estância e flor de bagual.
Entretanto, quero ater-me
ao recinto festivo dos saunistas, sem o rito tradicional dos Centros de
Tradições. O ambiente seria uma simples comemoração com desejos mútuos de
felicidades no ano novo, se o Chicão não chegasse acompanhado com quatro
“primas”. Justamente quatro indigníssimas – no linguajar do organizador – e belas
beldades.
Quatro formosuras de cair
o queixo, levantar sobrancelhas e parar o trânsito. De deixar o mais insosso
dos mortais com olhos saltitantes e babando uma saliva sádica.
Foi um alvoroço entre os
convivas. Olhares gananciosos e sorrisos matreiros.
– Vai ter sorteio! –
gritou um gaiato.
– Opa, esta é uma
sociedade familiar – comentou alguém menos afoito.
– Iiiiiiiiiiiiiiaaaahhuhuhuhu!!
– gritou um saunistas metido a guasca, esfregando as mãos com uma satisfação
exacerbada, bombeando uma das gurias.
Uma morena fogosa e três
estonteantes loiras embelezavam a mesa do Chicão. Sorridentes, perfumadas e
belas. Os olhares traiçoeiros se cruzavam num vaivém desmedido. Chicão era a
simpatia em pessoa.
Largos sorrisos, gestos lentos e gentilezas vãs. Estava
empolgado, garboso e faceiro. O dono do pedaço... e das minas.
O Pedro Espanhol, da
Diretoria do Clube 3 de Outubro Tênis, Remo,
Bocha e Pingue-pongue, achou um absurdo.
– Uma sociedade de
respeito não pode permitir uma afronta dessas, eu exijo a retirada imediata
dessas gurias do recinto – esbravejava na porta do salão. O Espanhol dava pulos
de raiva e escabelava os próprios cabelos.
O Saldanha, um aposentado
fanfarrão, disse que a sociedade merecia mais consideração e se propôs conduzir
as gurias para fora dos domínios do Clube.
– Deixa que eu tomo conta
delas – falou sorrindo.
O Garcia, um comerciante
de bugigangas, quase mal-educado, afirmou categoricamente que a culpa era do
porteiro.
– Ele deveria ter pedido
a identificação das moças. O porteiro deixou as minas entrarem. E vamos com
calma que eu estou apaixonado pela morena.
– Era só o que faltava...
a culpa agora é do porteiro – retrucou o único e solitário “cumpanhero” na festa
em defesa do humilde trabalhador.
Nesse instante uma
senhora da mais alta estirpe tradicionalista gaúcha trancou a porta do salão de
festas.
– Isso é uma pouca
vergonha – batendo a porta na cara de um incrédulo saunista.
– Ora, vá se queixar ao padre,
ao bispo ou ao papa... – retrucou o incrédulo saunista.
Depois do tumulto da
chegada triunfal das amigas, ou primas, ou indigníssimas do Chicão elas foram
gentilmente convidadas a se retirarem. O Clube 3 de Outubro Tênis, Remo, Bocha e Pingue-pongue não permitiria a
presença das chinas ali no salão de festas.
E saíram fogosas,
audaciosas e rebolando diante dos olhares de admiração dos incautos, sonhadores
e babando fios de ovos. A noitada de um ansioso dezembro estava desfeita.
– Mais um minuto e vou
embora apaixonado – sussurrou desolado o Garcia.
– Isso vai dar rolo e
suspensão.
– Mas as primas eram
rechonchudas... graciosamente volumosas. Eram monumentos ao prazer. Eram quatro
obras-primas dignas de um Picasso. O Pablo, claro.
Bem, a festa continuou
sem as gurias e o Chicão.
Os remanescentes beberam
cervejas e estouraram champanhas na companhia das estrelas num céu escuro. E
cada galanteador foi pra sua casa dormir o sono dos justos.
No outro dia, no cair da
tarde, estavam uns festeiros suando na sauna seca. Destilando a cerveja da
noite anterior.
Nesse momento o Garcia
provoca dizendo que nos bailes do clube 3
de Outubro Tênis, Remo, Bocha e Pingue-pongue qualquer mulher entra, é só
pagar. Isso aqui está cheio de percantas e sócios de qualquer espécie –
completou.
– Tu ta falando isso pra
mim – retorquiu o Saldanha.
– Se te serviu o chapéu,
estou – prontamente respondeu Garcia.
De pronto Garcia avançou
em direção ao colega de sauna empurrando-o contra a parede. Saldanha devolve
com um soco direto no nariz de Garcia. Este, desequilibrado, senta no colo de
Papada Papudo.
Papada Papudo é um senhor
bonachão e sem maldade. Para ele tudo está bem.
– Opa, que isso aqui ta
fervendo. E vamos manter uma distância regulamentar pessoal. O espaço é pequeno
e tem muito pelado – Papada Papudo comentou sorrindo.
Novamente os dois
valentões levantaram e se atracaram dentro da sala da sauna. Fechou o tempo no
ambiente. Ronaldão – jogador da várzea e forte como um touro – se meteu no meio
da briga e levou um cruzado no maxilar. Cuspiu meia dúzia de dentes.
– Pessssoal, vamossss
parar com isssso. Doissss amigossss brigando! – e saiu com a mão na boca,
assobiando quando falava palavras com “s”.
– Eu não aparto briga de
homem pelado! – sentenciou um pelado no meio da sala quente.
– Já te pego pilantra –
vociferava Garcia lavando o rosto na pia.
– Isso aqui é um estágio
para o inferno.
E se atracaram novamente.
Novamente o Garcia cai em cima do motor com a sopa de pedras que esquenta a
sauna. E sai gritando porta afora com a toalha fumegando na bunda.
– Eu não aparto briga de
homem pelado! – insistia um perseverante no interior do recinto da sauna.
– Essa confusão só pode
ser coisa do PT ou da Rita – retrucou um trabalhista que odiava o partido do
presidente e adorava novelas.
– Bah! A dialética do
absurdo... ou seria o absurdo dialético? – simplesmente respondeu o petista
solitário.
– E eu vou sair daqui
porque não posso ver sangue.
– Mas tchê, tu é médico.
– Ah! É... mas estou
aposentado.
– Num bochincho certa
feita, fui chegando de curioso – começou a declamar um gauchito do outro lado
da sala de descanso.
Enquanto isso Garcia era
carregado, todo ensanguentado e com a bunda vermelha, para fora da sauna para
ser atendido com os primeiros socorros. E, aparentemente, o clima no ambiente
voltou ao normal, ou melhor, continuou quente, afinal os brigões estavam numa
sauna.
Garcia ainda estava sendo
carregado quando um sujeito estranho ao ambiente da sauna entra no vestiário.
Calmamente e em silêncio, dirigiu-se a sauna seca. Usava apenas uma bombacha
preta e chinelos de dedos, possuía um bigode de causar inveja ao Guri de
Uruguaiana.
Os
presentes no recinto se entreolharam. Achando meio esquisito a presença e a
indumentária do saunista gaudério. E o bombachudo não se fez de rogado.
–
Onde estão as percantas? – pergunta, ajeitando o bigode.
Um comentário:
Oi, Athos!
Acabei de dar as primeiras risadas do dia!Muito bom.
abrs
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