terça-feira, 2 de junho de 2015

Os cadeados das pontes



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Tomo emprestado alguns dos versos de Mario Benedetti – A Ponte – para iniciar essa crônica.
“Para cruzá-la ou não cruzá-la eis a ponte. Nunca trouxe tanta coisa, nunca vim com tão pouco. Na outra margem alguém me espera com um pêssego em um país”.
As pontes estão nos noticiários. Sempre estiveram porque sempre estamos cruzando por uma ponte. Mas existem pontes e pontes e podemos nominar algumas: as pontes do ódio, do preconceito, do racismo e tantas outras a serem cruzadas e todas com cancelas a serem abertas, principalmente, as porteiras dos nossos cadeados internos. Sonhamos com um pêssego na outra margem, quiçá outro país. Mas existem as pontes reais de ferro, tijolo, concreto e... cadeados. E são essas pontes que gostaria de comentar. As pontes que caem e as que permanecem. Uma em Jaguari e outra em Paris.
A prefeitura de Paris retirou 45 toneladas de cadeados da Pont des Arts. Os casais apaixonados colocaram mais de um milhão de cadeados nas grades da ponte com juras de amor eterno. Os “cadeados do amor” estavam colocando em risco a estrutura da ponte e, assim, acertadamente os técnicos – para isso existem os técnicos – avaliaram a possibilidade de danos. E a decisão foi baseada em laudos: retiradas de cadeados.
Alguns apaixonados e turistas sentimentais acham que terminou o encanto de Paris. Se o encanto de Paris eram os cadeados da Pont de Arts, Paris não deve ser tudo que dizem e mostram as fotos. O museu do Louvre, a Torre Eiffel e o Quartier Latin devem ser uma chatice. Cafés e vinhos outra chatice.
Costumo afirmar em tom de brincadeira que – dado o ranço ideológico que assola o Brasil –, a única vantagem de uma ditadura é a gente se exilar em Paris. Mas isso é só um chiste, por favor.
Mas vamos aos laudos. Os laudos foram feitos para serem emitidos por técnicos e cumpridos por quem tem o poder de decisão. Certo? Assim, no caso de estruturas das pontes – todas as pontes –, evitamos tragédias. Santa Maria conhece muito bem esses “cadeados”.
Logicamente, é preferível uma ponte sem “cadeados do amor” do que não termos uma ponte para cruzar ou bater fotos. O povo de Jaguari que o diga.
Do outro lado da ponte alguém pode esperar com um pêssego e um país, com uma laranja em Jaguari ou com um cacho de uvas e Paris.
Escolha as suas pontes e destrave os cadeados.  

2 comentários:

Unknown disse...

Nunca deixei meu cadeado em Paris, apesar de ter me prendido na Shakespeare.

Saudade docê.

Andressa - Molly Capixaba - Bloom.

Athos Ronaldo Miralha da Cunha disse...

Olá. Legal te ver por aqui. Gracias pelo comentário.
Pronta para o Bloomsday?