segunda-feira, 2 de junho de 2008

50 anos de glória

50 anos de glória...
Cantando esse verso do hino do co-irmão, a mãe sentou-se à mesa para o almoço.
O marido e o casal de filhos adolescentes, todos colorados fanáticos, nada disseram. Apenas o guri resmungou um “me poupe”.
Passados mais alguns instantes a mãe volta à carga com o verso, repetindo, alegremente, duas vezes. 50 anos de glória... – cantava somente esse verso e silenciava.
– Todos os torcedores do co-irmão começam cantando o hino pelo “Até a pé...” ela, não! Começa com os “50 anos...” – falou virando-se para o pai.
– Mas eu quero cantar assim, ora. 50 anos de glória...
– Parece provocação.
– Ela não sabe o restante da letra.
– Domingo que vem eu faço 50 anos bem-vividos. E quero um presente do Grêmio. Entenderam? Nessa casa tem toalhas, chaveiros, cuias, agenda, canetas, bonés, chapéus, livros, camisetas – não sei quantas – bandeiras e até umas alpargatas do Internacional. Eu quero um presente do Grêmio.
– Pura bucha. – grunhiu o piá.
Mas o fato é que os três, marido e o casal de filhos adolescentes, estavam em frente a loja do Internacional e, disfarçadamente, com o rabo dos olhos, observavam a vitrine da loja do Grêmio.
– Quem sabe uma toalha.
– Não! Muito grande. Imagina aquela coisa azul pendurado no box do banheiro. Tem que ser algo menor.
– Um chaveirinho... um bóton. – disse o guri.
– Tem que ser maior, afinal, são 50 anos de glória...
– Argh!
Os três continuavam em frente a loja do Inter e contemplando, disfarçadamente, o presente a ser adquirido para a gremista.
– Uma camiseta!
– Tá louco! Ela vai passear com a camiseta. Nós estaremos almoçando no Monet e ela com a camiseta deles. Jamais!
– Então o quê?
– Umas alpargatas.
– Fechado, ela fica com o Grêmio nos pés. Não é até a pé...
– Eu tenho alpargatas do Inter.
– Então, vamos lá comprar.
– Três pessoas para comprar umas alpargatas. Vai, apenas, um.
– Quem vai?
– Eu não vou.
– Eu não vou. Imagina se um amigo me vê entrando na loja do Porto-Alegrense. Deus me livre.
– Vamos tirar no par ou impar.
– Não!
– Não!
Nesse ínterim apareceu a Danny Bananinha, amicíssima da filha.
– Danny, amigona, compra um presente para mim.
– Mas o teu aniversário não foi na semana passada?
– É para a minha mãe, ali na loja do Grêmio. E manda enrolar para presente.
A Danny volta com o pacote azul. O guri pega uma sacola na loja do Inter e se vão os três pelo calçadão. Um presente do Grêmio camuflado numa sacola do Internacional.
– Se ela cantar de novo 50 anos de glória... eu taco fogo nessas alpargatas. – falou o guri com cara de bem poucos amigos gremistas.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Beira-Rio - 04.05.2008

Dois embates decidiram o campeonato gaúcho de futebol e o histórico dos jogos do Internacional contra o co-irmão da Serra não era nada favorável.
Uma falha do atleta símbolo dos títulos internacionais do Internacional, Fernadão, faltando dez segundos para o término do jogo em Caxias, dera vantagem ao Juventude. E para a decisão do dia quatro de maio no Beira-Rio os pressentimentos dos colorados eram escabrosos.
Num primeiro momento, lamentamos, mas se formos racionalizar veremos que a expectativa da final havia sido alterada. Algo como cutucar a onça com vara curta.
Com a vitória, o alviverde de Caxias do Sul passou a ostentar o favoritismo e para muitos, cronistas e torcedores, o campeonato estava ganho. Novamente, a touca verde seria o principal agasalho dos colorados. Com o vexame no finalzinho do primeiro jogo, o Inter redobrou os esforços para não sofrer a quarta derrota seguida no gauchão. Podemos afirmar que o Juventude entrou em campo de salto alto e o Internacional nas pontas dos cascos.
Em função da qualidade das equipes poderíamos fazer uma análise das probabilidades ou um estudo estatístico. A conclusão mais acertada seria da improbabilidade de uma quarta vitória consecutiva do Juventude. Mas quem estava apostando nas probabilidades ou nas estatísticas se a taquicardia do torcedor não leva em consideração a lógica e tábuas matemáticas?
Então, para espanto geral da nação, o que vimos na final foi uma avalanche de gols. Um ciclone arrasador. Não recordo de ter visto algo semelhante e ao vivo em um domingo de sol. É inimaginável oito gols em uma decisão de campeonato gaúcho.
Como o futebol brasileiro é exportador de craques, nossos clubes são formados por atletas medianos e por aqueles que estão sendo repatriados, já em final de carreira. Então, um time com onze jogadores medianos e aguerridos pode ser uma equipe vitoriosa. Sem craques ou galácticos. Hoje, o Internacional é um dos poucos clubes do Brasil que possui um elenco de bons jogadores medianos.
Evidentemente, não devemos recusar um craque, mas sabemos o que acontecerá, logo ali adiante, quando um guri desponta em uma categoria de base: A Europa e uma montanha de euros o chamam.
A conquista do campeonato gaúcho de 2008 lavou a alma dos colorados urbanos e a égua dos colorados campeiros. Foi um final de domingo memorável.
Enfim, apenas um dado não estava conforme naquela tarde de domingo 04 de maio de 2008: A decisão não era Gre-Nal. Seria demais para um coração vermelho.

terça-feira, 13 de maio de 2008

A goleada

Uma goleada lava a alma do torcedor. E uma goleada sobre o time rival lava a alma com louvor. A euforia é extravasada na enésima potência. Após uma goleada a galera tem um único objetivo: ir para as praças e avenidas desfraldar as bandeiras dos vitoriosos.
Foi-se o tempo em que goleadas eram comuns entre times do mesmo porte. Hoje, o futebol está mais igual. É uma indústria que envolve bilhões de dólares e um esporte digno de pesquisas nas mais renomadas universidades e laboratórios. A preparação, os recursos táticos e técnicos e as tecnologias estão à disposição de qualquer clube e são disseminados com maior velocidade. Estudiosos e olheiros são, praticamente, onipresentes. Evidentemente, o poder financeiro do patrocinador de um clube faz uma razoável diferença.
Quanto pesava uma camiseta há quarenta anos. Quanto pesa hoje? Em 1970 os atletas percorriam 6 km num jogo, o futebol era mais cadenciado. Trinta e poucos anos depois correm mais de 10 km por partida. Os jogadores terminam os jogos no limite da exaustão, muitos com câimbras e fisicamente debilitados. O exemplo mais recente foi de Ferrnadão. Faltando dez segundos para o encerramento do jogo, na primeira partida da decisão do campeonato gaúcho, o capitão colorado cometeu um grave erro que originou o gol da vitória do Juventude. Fernandão estava estafado física e mentalmente. Em condições normais bastava por o pé em cima da bola e protegê-la com o corpo por dez segundos. Fim de jogo. Ou, simplesmente, colocá-la pela linha lateral. Fim de jogo.
O futebol é bem mais competitivo que há trinta anos. Time vencedor é aquele que combina arte, força, engajamento e motivação. É fundamental a união de atletas e comissão técnica no objetivo da vitória. Com todas essas variáveis no futebol atual, as goleadas tornaram-se mais esporádicas. Salvo quando há uma brutal disparidade entre os competidores. Uma goleada é a superação, supremacia e glória dos atletas. Por isso as goleadas são inesquecíveis. São gols que permanecem gravados na memória. Viram músicas e são cantadas nas gerais dos estádios. São bem-guardadas em DVD’s para serem mostradas aos amigos.
Então, seguidamente, uso o recurso da tecnologia para ver e rever muitas vezes as goleadas do Internacional. São vitórias que não cansam as vistas dos colorados. Particularmente, sei cada detalhe dos cinco gols do Internacional no memorável Gre-Nal dos 5 a 2.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Manifesto da chapa Ave Sonora

Buscamos no poema Ave sonora de Gilvan Retamoso Palma inspiração para propor o novo e rever conceitos. E não temos outro jeito de assumir esse compromisso. Ave sonora sintetiza a rebeldia e a contestação.
Gilvan escreveu esse poema em homenagem a Mario Quintana quando o poeta foi recusado na Academia Brasileira de Letras. Pois a academia é só mania de quem tem plata. Assim, queremos levar à categoria que se encanta com o sol-pôr e renasce nos sonhos com o sol-nascente a nossa veia inclemente de fazer sindicalismo sério, propositivo e com transparência. Pois estamos sempre à espreita dos balanços dos banqueiros e vemos que a cada ano mais plata continuam nos seus abarrotados cofres.
Estamos alerta como o quero-quero, pássaro símbolo do Rio Grande e sentinela dos pampas, porque queremos e almejamos o melhor para todos. Um Rio Grande que seja grande para o seu povo e não apenas grande para uma minoria. Ainda nos encanta essa desobediência de sonhar acordado, de ter a mão amiga e um abraço apertado. Essa alquimia que nos coloca no mesmo lado. De caminharmos sobre a relva em uma manhã de primavera ou nos aconchegarmos sobre um poncho numa tarde de inverno. Queremos um cálice de vinho tinto e um trago de pinga na campanha. É essa a nossa façanha de ver as coisas do avesso, do fim para o começo ou do jeito de cada um num arrojado desafio, mas o que importa nesse momento é que num segundo seremos mil.
Corremos de alma pura por campos e matas porque não há censura nem linha dura para essa passeata. Ave sonora, nós queremos paz, mas não a paz dos sepulcros. Queremos a paz nos estádios, nas ruas, nos centros das cidades e nas vilas populares. Queremos paz em nossos corações e em nossas atitudes. Queremos um meio para sermos inteiros em nosso assobio.
Queremos um pincel para pintarmos com aquarelas as flores do nome dela. Ou desenhar pinguelas sobre riachos cristalinos. Nós não queremos um bodoque que nos coloque com quatro velas. Nem fechar encantos com uma cancela.
Há uma razão para viver, várias para sonhar e milhares, ainda, para serem descobertas. Mas há apenas uma razão que nos diferencia: estamos sempre alerta.
Não há motivos para a demagogia, sorrisos falsos, tapinhas nas costas e hipocrisia. Nosso compromisso é com a luta, com a ética, com a coerência e exercê-la em sua enésima potência. Há um convite a ser feito aos bancários. Caminhemos juntos nessa jornada de pura alegria.
Ave sonora eu vou embora.Eu vou contigo no vôo amigo desta canção.

domingo, 4 de maio de 2008

Os dez Mandamentos


A idéia original parecia absurda, construir um romance escrito por vários autores santa-marienses, e situado, geograficamente, no coração do Rio Grande.
A partir dessa definição não foi difícil chegarmos à conclusão de que seriam dez escritores. Como cada um escreveria um capítulo, estabeleceu-se um “mote” geral que tinha um dos dez mandamentos bíblicos como título e amarra.
De imediato, o desafio se mostrou instigante ainda que parecesse audacioso, no entanto a experiência prometia ser prazerosa. Foram trinta meses para a conclusão dessa narrativa. Tempo em que a expectativa só aumentava entre os participantes, pois os autores tinham liberdade para dar continuidade ao argumento sem saber como seria o desfecho do capítulo seguinte. O mais gratificante disso tudo é que todos os escritores contatados para participar desse empreendimento literário não esmoreceram diante da tarefa desafiadora.
O romance coletivo Os dez mandamentos foi escrito, desse modo, a vinte mãos. A história, no entanto, tem a virtude de prender a atenção do leitor, que, além das peripécias das personagens, vai perpassar por vários estilos literários num mesmo texto, numa narrativa cativante.
Santa Maria, cidade com profunda fé e religiosidade, é o palco dessa trama que envolve uma tentativa de assassinato dentro da catedral Diocesana, como também, violência, traição, luxúria, mistério, gratidão e amor. O romance transita pelo centro da cidade, ruas, avenidas, praças, bairro Santa Marta, pelo viaduto Garganta do Diabo, Universidade Federal e pela Quarta Colônia. Lugares e personagens históricos e folclóricos de Santa Maria são recuperados, como um restaurante tradicional, o vendedor de loterias, um ex-vereador e um pároco.
Santa Maria possui uma tradição cooperativista e a Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea foi uma das maiores associações de trabalhadores da América Latina, símbolo de união e cooperação dos “ferrinhos.” Atualmente, a Feira Estadual do Cooperativismo e da Sócio-economia solidária e a experiência dos universitários com a Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria são exemplos dessa vocação cooperativista de Santa Maria.
E a literatura pode ser cooperativada?
Concluímos que pode ser compartilhada e escrita por múltiplas mãos. Se isso se chama “socialismo literário”, “social literatura” ou tenha outro nome que identifique tal parceria é uma questão menor. O fundamental, porém, é que estamos diante de um projeto arrojado e que nos deu muito prazer em realizá-lo e caberá aos leitores a sua parcela de colaboração nessa empreitada de dar vida aos dramas relatados neste Os dez mandamentos. Pecado é não ler.


Editora Movimento 2008.

sábado, 19 de abril de 2008

Os bichos e o terceiro mandato

Os bichos reuniram-se em assembléia para discutir acerca do terceiro mandato do presidente da floresta. O leão e a coruja foram eleitos para formar a mesa condutora dos trabalhos.
O primeiro inscrito foi o sapo da barba preta. Falou como nos tempos de sindicalista e primeiro presidente dos sindicatos dos bichos trabalhadores da floresta. Fez um longo discurso e disse que era um absurdo, um atentado contra a democracia essa emenda constitucional e finalizou afirmando que não estava de bom humor: – querem rasgar a constituição!
O sapo da barba branca entrou no recinto sorrindo, distribuiu beijos e abraços e, também, opinou como o seu irmão mais moço, o sapo barbudo da barba preta. Era contra a emenda para o terceiro mandato. Mas a turma não acreditou muito. Não convenceu e todos achavam que no fundo, lá no fundo, ele era favorável.
O macaco velho falou... pulou de um lado para outro e não se definiu. Acabou em cima do muro. Aplaudia qualquer um por qualquer motivo. Uma raposa anciã também fez o estilo macaco velho. Enrolou, disse que sim, disse que não e ficou por isso mesmo.
O pato fez um discurso eloqüente em favor dos oprimidos e que o polvo era o seu principal devedor. E encerrou dizendo que seria favorável ao terceiro mandato se todos os bichos pagassem o pato e não apenas o polvo. O polvo ficou radiante com a intervenção.
A coruja, com toda a sua sabedoria, fez algumas indagações. Por que só o pato recebe e, apenas, o polvo paga? Todos deveriam pagar. Todos deveriam receber. De acordo com sua necessidade e de acordo com sua... – o leão interrompe e cochichou em seu ouvido. – Eu não quero saber se vai ter terceiro mandato ou não e quem paga quem. Eu vou continuar mordendo!!
O gato chegou de mansinho ficou na espreita e saiu na moita quando o corrupião entrou na sala da assembléia com uma mala preta e colocou em cima da mesa próxima ao leão.
Nesse momento a vaca resolveu ir embora e foi para o brejo.
O cordeiro não estava nem aí. Ele se adaptaria facilmente a qualquer modelo, mandato ou presidente seja ele com barba, sem barba, com bigode, bigodinho ou bigodão, colarinho engomado, com aquilo roxo ou rosa, topete ou seja lá o que for.
O tucano mineiro apareceu com uma estrela no peito e sofreu uma estrondosa vaia, mas foi o mais radical. Não quis conversa com ninguém e que se fosse aprovada a emenda maldita da re-reeleição ele proporia uma CPI exclusiva no senado.
De repente fez-se silêncio no recinto. Os bichos entreolharam-se. O molusco marinho havia chegado...
Dirigiu-se diretamente para o púlpito e começou o discurso. – Nunca na história dessa floresta...

sábado, 12 de abril de 2008

A trégua

São tantos os reveses políticos e com a iminência de mais uma pizza a ser servida para o povo com os mesmos temperos de sempre, que deveríamos pedir uma trégua.
Uma trégua para a corrupção, para a impunidade, uma trégua para os cartões corporativos e para as falcatruas federais. Pararmos por alguns momentos para uma reflexão coletiva.
Talvez seja essa a solução imediata para a atual crise política: uma trégua. Um basta, mesmo que seja momentâneo. Mas também podemos fazer uma trégua literária. Um gênero romântico de trégua. Mais simples e prazerosa, cuja única semelhança com as pizzas de Brasília é a ficção.
A trégua romance do escritor uruguaio Mario Benedetti editado pela Alfaguara.
Primeiramente o romance foi publicado em 1960. Escrito em formato de diário é um livro envolvente e surpreendente que prende a atenção do leitor. Capta a vida em toda sua pureza. Nas relações familiares e com os colegas de trabalho. É sensível, irônico e com doses homeopáticas de humor. Um livro humano, no sentido mais simples e singelo da palavra.
O personagem Martin Santomé redescobre o amor após uma viuvez de mais de 20 anos. Laura Avellaneda é a jovem que trará uma nova vida para Martin.
Uma trégua para o amor. Quando a desesperança com uma iminente aposentadoria acontece a descoberta do amor. Martin percebe que poderá ser feliz. E no dia 23 de setembro Martin escreve sete vezes a em seu diário: Meu Deus.
Por quê? O leitor terá que abrir o livro.
A trégua romance uruguaio e uma das melhores narrativas latino-americanas. Boa leitura.