“Sem trama e sem final” é um pequeno livro editado pela Martins Fontes. São trechos de cartas do escritor russo Anton Tchekhov sobre os mais diversos assuntos, mas, principalmente, sobre a arte de escrever. E essas cartas transformam-se em conselhos e sugestões para quem está com pretensões literárias ou pretende aprimorar a escrita.
As abordagens transcendem o oficio de escrever, passam por uma visão de mundo, da vida, humanismo, censura e política.
Em uma carta a Aleksandr Lazariev, Tchekhov comenta sobre o uso das aspas e parênteses “Pelo amor de Deus, livre-se dos parênteses e das aspas! Para as orações intercaladas há um excelente sinal, que é o duplo travessão (– nome dos rios –). As aspas são usadas por duas categorias de escritores: os tímidos e os que não têm talento. Os primeiros assustam-se com a própria ousadia e originalidade, os outros, quando metem entre aspas uma palavra qualquer, estão querendo dizer com isso: repare, leitor, que palavra nova, original e ousada eu inventei!”.
Certamente, depois dessa leitura lembraremos, todos, de Tchekhov antes de colocarmos o entre aspas. Portanto, não “aspeie” suas palavras novas, isso parecerá ridículo.
Sobre dedicatória Tchekhov responde a Maksim Gorki “Em primeiro lugar sou totalmente contra as dedicatórias a pessoas vivas. Faça sua dedicatória, dentro do possível, sem aquele palavrório inútil, isto é, escrever apenas: dedico a fulano de tal e basta.”
Sobre autoridades locais em carta a Gorki “Nada mais fácil que descrever autoridades antipáticas; cai bem no gosto do leitor, mas só do leitor mais detestável, do mais medíocre.” Parece que estava escrevendo – invocando – o mundinho chamado Brasil... ou Santa Maria.
Piero Brunello fez a seleção das cartas e o prefácio. E o livreto de 109 páginas transforma-se em um belo exemplar sobre literatura. Leitura deveras interessante para os que lidam com a escrita.
O maior de todos os conselhos – no meu entendimento – trata do medo da estupidez. Em carta ao irmão Aleksandr Tchekhov “Meu conselho: tente em sua peça ser original, na medida do possível, ser inteligente, mas não tenha medo de parecer estúpido; o livre-pensamento é necessário e só é livre-pensador quem não teme escrever bobagens.” Ou seja, não ter medo de parecer estúpido. Essa parte é sensacional! Lembrei de Emile Zola quando fala “os poderosos temem a literatura porque é uma força que lhes escapa”.
Por fim a grande lição. “Perdoe todos aqueles que o ofenderam, não lhes dê confiança e, repito, ponha-se a escrever”. Fundamental para os que se dedicam nessa solitária atividade de colocar “impressões no papel”.
“Sem trama e sem final” eu li em uma tarde extemporânea e chuvosa, desse verão seco e escaldante, em algum lugar incerto e não sabido desse Rio Grande.
– Tchê! Como eu usei aspas nesse texto! E o pior, também sou tímido.
Um comentário:
Descobri que sou tímida depois de ler este post... Ótima indicação de livro!
Postar um comentário