terça-feira, 1 de maio de 2012

Cristina Kirchner e a Vaca Muerta


Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Um dos livros mais vendidos e comentados nos últimos tempos no Brasil é “A privataria tucana”.
O livro traça um histórico de como foram feitas as negociações para as privatizações que ocorreram – a lo largo – no governo de Fernando Henrique. À medida que o folheamos nossa indignação aumenta exponencialmente. Na metade da leitura esgota-se todo o estoque de indignação. Conclui-se que foi feita uma deslavada entrega de patrimônio público à iniciativa privada.
Se essa escandalosa privataria nos deixa transtornados, deveríamos dar vivas com relação a uma estatização. Ou não? Acho possível abrir essa pauta de debate.
Qual empresa você estatizaria no Brasil? Siderúrgica? Setor de energia? Comunicação? Telefonia? Escolha sua veia estatizante. Não se fala mais nisso desde a campanha do Sul Brasileiro. Alguém lembra do Sul Brasileiro? Não está mais no horizonte da esquerda – ou da autoproclamada esquerda – essa abordagem. E o silêncio é alarmante.

Um parêntese.
Tenho lido alguns comentários nas redes sociais sindicais. Quando alguém quer criticar outro alguém de outra esquerda o qualifica de esquerdismo. Então, a gente combina assim: se uma determinada esquerda critica outra determinada esquerda – ou autoproclamada esquerda – por esta estar no governo, a crítica vem como esquerdismo agregado na maioria das vezes por inconsequente e aliado da direita. Uma maneira de a esquerda desqualificar outra esquerda. Aliás, cadê a esquerda? Mas isso era só um parêntese.

Recentemente a presidente Cristina Kirchner estatizou a maior empresa da Argentina, a Repsol. E foi um deus-nos-acuda do capitalismo global. A elite internacional entrou em campo prometendo retaliações. Tacharam de golpe. Retrocesso etc, etc, etc. A União Europeia propõem retaliações à Argentina. E expulsão do G20. Mas quem é essa União Europeia – toda esgualepada por conta da crise gerada por eles mesmos – para propor retaliações? A resposta é simples. O BRIC não empresta a grana que eles estão pedindo. Pronto! E empata o jogo.
Do ponto de vista da radicalidade a estatização da petrolífera Repsol-YPF foi maior que a de Chávez e Evo. E não foi uma estatização, foi uma reestatização. Carlos Menem havia privatizado a empresa em 1999. Então, do ponto de vista ideológico, o povo da Argentina passa a ser dono da Repsol, assim como o povo do Brasil é dono da Petrobras. Vejo com simpatia essa “afronta”, pois a impressão que passa é de um capitalismo tão arraigado que é impossível falarmos em algo diferente. Olhos de águia faíscam para quem avançar um milímetro em algo diferente da iniciativa privada, do neoliberalismo, do que está posto. Corajosa essa atitude da presidente castelhana com uma postura radical diante do sistema e da globalização. É grande a dominação, que nos acostumamos com a nossa inércia. Uma apatia enorme que impede de irmos às ruas bater panelas. E quando Cristina anuncia essa expropriação ficamos estupefatos. Boquiabertos e titubeamos.
Está em jogo nessa atitude da presidente Cristina Kirchner uma questão estratégia. Pois neste ano foram descobertas gigantescas reservas de petróleo na região de Vaca Muerta. E a presidente se espelha na Petrobras que, ainda, detém o controle da exploração das nossas reservas.
O capitalismo internacional quer transformar o episódio numa questão jurídica, legal, direito internacional e o escambau a quatro. Mas para mim, é uma questão ideológica. Afinal, pulsa um coração no sul da América do Sul. Gostei dona Cristina, siga em frente.

E a esquerda no Brasil? Silêncio. Nem esquerda e nem esquerdismo se manifestou. Se somos contra a privataria não deveríamos ser a favor da estatização da Repsol? Um bom começo é fazermos uma autocrítica dos últimos anos. Mas isso é impossível enquanto não transformarmos numa única palavra as várias existentes: esquerda, esquerdismo, esquerdalha, esquerdoico e esqualquercoisa. Mas é mais cômodo ficar em voltas com o próprio rabo do que debater temas polêmicos. É mais cômodo deixar as coisas como estão. Mas aqui do lado, a Cristina começou. Afinal de contas, nem tudo que é sólido desmancha no ar.

3 comentários:

Rejo Friedrich disse...

Athos,
Tu perguntastes aonde está a esquerda? Vejamos, se o PT atualmente é o governo, talvez a esquerda sejam aqueles sindicalistas que eu vi ontem em reunião com os caras do PSDB em São Paulo, no programa do CQC. Acho que realmente é sinal do fim dos tempos...

Rejo Friedrich disse...

Athos,
Tu perguntastes aonde está a esquerda? Vejamos, se o PT atualmente é o governo, talvez a esquerda sejam aqueles sindicalistas que eu vi ontem em reunião com os caras do PSDB em São Paulo, no programa do CQC. Acho que realmente é sinal do fim dos tempos...

Athos Ronaldo Miralha da Cunha disse...

Infelizmente a esquerda está na engrenagem da burocracia nos governos, nos sindicatos ou discutindo as "profundas" desavenças das tendências do movimento. Aliás, a pauta do movimento sindical hoje são as eleições. Fazem uma eleição pensando na próxima.