segunda-feira, 28 de maio de 2012

A guria da esquina


Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Faz algumas semanas que cruzo por ela. A guria está sempre na mesma esquina, embelezando as manhãs de meu trajeto. Um deslumbramento foi o que senti desde a primeira vez que a vi. Surpreendeu-me os inacreditáveis olhos a flertar-me. Uma beldade daquelas dando a maior bola. Até imaginei que não era comigo. Afinal, eu já ando meu passadinho e a formosura da esquina se aproximava de um monumento à Afrodite. Mas ela cravou os olhos em mim. Aquela atitude inesperada, para um pacato e recluso cidadão, me desconcertou e me desconcentrou. Por pouco não subi com o carro em cima da calçada de uma imobiliária.
Era uma guria daquelas que estão nas propagandas de carros, cervejas e nos sonhos de muito marmanjo. Nesse primeiro dia tudo aconteceu tão rápido que não tive tempo de pensar e segui em frente. A, além do mais, estava atrasado para o trabalho. Mas o olhar incisivo eu carreguei por todo o dia. Era impossível esquecer a imagem da moça loira na esquina da André Marques.
Para minha surpresa, nos dias seguintes, a mesma loira, a mesma esquina e os mesmos olhos de instigante contemplação – não sei o porquê, mas lembrei de uma antiga canção interpretada por Ronnie Von “a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim” –, da loira em frente ao Hotel Morotin. Toda vez que dobrava, logo após a abertura do sinal, dava de cara com a loira. Comecei achar que eu era o cara. E ela sempre a me observar, linda, exuberante, uma rainha do Nilo. Uma deusa das águas do Arroio Itaimbé. Eu me sentia um Morotin diante de Imembui.
Um dia – numa linda manhã ensolarada de outono – as belas e bem torneadas pernas da guria me distraem e quase atropelei um ex-vereador que atravessa a rua rumo à prefeitura. O ex-edil me disse todos os palavrões que outrora falava da tribuna. Ela fez que nem era com ela. Continuou ali, impávida. Colossal. Sem esboçar um sorriso sequer. Com o mesmo olhar audacioso e impactante. Nem piscava. Enquanto ouvia os impropérios do politico, meu pensamento estava nas lindas pernas da loira.
Eu quase atropelei um vivente e ela nem esboça uma atitude. Fica parada, loiríssima, cabelos lisos e olhar incisivo. E aquelas lindas e bronzeadas pernas de parar e causar acidentes no trânsito.
Comecei a imaginar mil possibilidades. Um jantar no Iguarias... um passeio na Quarta Colônia... um cineminha. Mas cheguei a uma única e definitiva conclusão: vou mudar de trajeto para o trabalho. E aguardar que a “Morena Rosa” tire a loira do outdoor, antes que eu atropele alguém mais ilustre que um ex-vereador ou avance o sinal vermelho.

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