Crônica publicada no jornal A Razão no dia 10.12.2001.
Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo
A manchete do jornal dominical era contundente: “A primeira guerra do século 21”.
Apreensivo, começo a folhear o encarte. Em instantes deparo-me com um breve currículo dos dois protagonistas desse confronto.
De um lado o poderoso W. Bush, 54 anos, professor de história, empresário do ramo petrolífero e apaixonado por beisebol. De outro, Osama Bin Laden, 44 anos, filho de magnata e engenheiro civil.
Inacreditável, mas Osama Bin Laden é engenheiro civil.
No curso de engenharia estudamos cinco longos anos. Aprendemos a planejar e executar vários tipos de obras. Nos debruçamos sobre as pranchetas, por horas a fio, para projetarmos unidades habitacionais que ofereçam conforto, segurança e tranquilidade às pessoas.
É com enorme satisfação e realização pessoal que vemos uma obra concluída. Edifícios, como o World Trade Center, são considerados obras de arte no meio acadêmico. Portanto, inimaginável a sua destruição.
Neste ínterim transporto-me para o início da década de 80, numa aula de Construção Civil II. Lá do fundo da memória veio em minha mente a imagem de um aluno quieto, simpático, magro e extremamente educado. Usava um turbante, tinha uma barba preta e fina. Eu sempre achei aquele hondurenho meio estranho, mas a lembrança do frondoso turbante aguçou minhas dúvidas sobre a nacionalidade daquele sujeito. A fisionomia de Osama na capa do jornal era fiel com a do colega gravada em minha memória.
Passados vinte anos, uma barba um pouco grisalha e estava ali, nitidamente diante de meus olhos, nas reportagens acerca do atentado, a imagem do colega do curso de engenharia.
Tremo e meu coração acelera. – Fui colega de um terrorista!
Permaneci com aquela incerteza por vários dias. A Barba. O turbante. O nome, realmente, eu não lembrava, mas a sonoridade de “Osama” era familiar.
Em um ensolarado sábado, na movimentada manhã do calçadão da Bozano, encontrei outro colega de curso. Com uma certa afobação sobre quem eu supunha ser Bin Laden, expliquei-lhe minhas conjecturas.
Ele foi taxativo.
– Não. Deixa de paranoia. Aquele colega estrangeiro não era hondurenho, muito menos saudita, ele era argentino. Não usava turbante e sim uma boina preta. Tinha uma barba volumosa, neste ponto tua memória não falhou. Finalmente, o nome do simpático castelhano não era Osama, ele se chamava Ernesto.
– Che Guevara!
Saio a passo largo pelo calçadão afora e deixo meu colega estupefato, boquiaberto, enquanto uma roda de capoeira se formava em frente à Caixa e um artista popular pichava cascatas em folhas de eucatex.
Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo
A manchete do jornal dominical era contundente: “A primeira guerra do século 21”.
Apreensivo, começo a folhear o encarte. Em instantes deparo-me com um breve currículo dos dois protagonistas desse confronto.
De um lado o poderoso W. Bush, 54 anos, professor de história, empresário do ramo petrolífero e apaixonado por beisebol. De outro, Osama Bin Laden, 44 anos, filho de magnata e engenheiro civil.
Inacreditável, mas Osama Bin Laden é engenheiro civil.
No curso de engenharia estudamos cinco longos anos. Aprendemos a planejar e executar vários tipos de obras. Nos debruçamos sobre as pranchetas, por horas a fio, para projetarmos unidades habitacionais que ofereçam conforto, segurança e tranquilidade às pessoas.
É com enorme satisfação e realização pessoal que vemos uma obra concluída. Edifícios, como o World Trade Center, são considerados obras de arte no meio acadêmico. Portanto, inimaginável a sua destruição.
Neste ínterim transporto-me para o início da década de 80, numa aula de Construção Civil II. Lá do fundo da memória veio em minha mente a imagem de um aluno quieto, simpático, magro e extremamente educado. Usava um turbante, tinha uma barba preta e fina. Eu sempre achei aquele hondurenho meio estranho, mas a lembrança do frondoso turbante aguçou minhas dúvidas sobre a nacionalidade daquele sujeito. A fisionomia de Osama na capa do jornal era fiel com a do colega gravada em minha memória.
Passados vinte anos, uma barba um pouco grisalha e estava ali, nitidamente diante de meus olhos, nas reportagens acerca do atentado, a imagem do colega do curso de engenharia.
Tremo e meu coração acelera. – Fui colega de um terrorista!
Permaneci com aquela incerteza por vários dias. A Barba. O turbante. O nome, realmente, eu não lembrava, mas a sonoridade de “Osama” era familiar.
Em um ensolarado sábado, na movimentada manhã do calçadão da Bozano, encontrei outro colega de curso. Com uma certa afobação sobre quem eu supunha ser Bin Laden, expliquei-lhe minhas conjecturas.
Ele foi taxativo.
– Não. Deixa de paranoia. Aquele colega estrangeiro não era hondurenho, muito menos saudita, ele era argentino. Não usava turbante e sim uma boina preta. Tinha uma barba volumosa, neste ponto tua memória não falhou. Finalmente, o nome do simpático castelhano não era Osama, ele se chamava Ernesto.
– Che Guevara!
Saio a passo largo pelo calçadão afora e deixo meu colega estupefato, boquiaberto, enquanto uma roda de capoeira se formava em frente à Caixa e um artista popular pichava cascatas em folhas de eucatex.
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