Athos Ronaldo Miralha da Cunha
O dia tinha sido tranquilo e proveitoso, eu estava de bem com a vida. Ao chegar em casa, antes do banho reconfortante, preparei um chimarrão com erva buena da Palmeira, para saborear à sombra da corticeira. A água estava morna e o banho extremamente agradável. Não é do meu feitio cantarolar embaixo do chuveiro, mas naquela oportunidade, veio em minha mente uns versos antigos do saudoso Jayme Caetano Braun. Comecei a declamar “O Bochincho”.
“A um bochincho certa feita
fui chegando de curioso
que o vício é que nem sarnoso...”
A payada rolou solta dentro do box, no refrescante ambiente azulejado do banheiro. A água morna escorria leve e a espuma branca, suave. Os versos brotavam de minha alma gaudéria como se o próprio Jayme fosse o payador. O recinto era uma excelente caixa de ressonância para uma voz barítona desafinada de um incipiente cantador.
“E foi ele que se veio
pois era dele a pinguancha
bufando e abrindo cancha...”
Nunca fui chegado a arte da declamação, mas aquele dia a inspiração estava do meu lado, enquanto o chuveiro jorrava as águas da nossa gloriosa Corsan, a garganta soltava cada vez mais eloquente os versos do velho maragato. O pequeno quadrilátero do box foi o palco de tamanha ousadia declamatória, um verdadeiro desrespeito com o mito da payada gaúcha.
Com uma convicção pampeana, recitava com todas as forças dos pulmões...
“E a china eu nunca mais vi
no meu gauderiar andejo
somente em sonhos a vejo...”
De repente minha companheira entra no recinto para escovar os cabelos e a indagação foi peremptória e incisiva, com uma dramaticidade alarmante.
– Quem é esta china? E tu somente em sonhos a vê? Me explica melhor este negócio? Tu andas sonhando como uma china? Era só o que me faltava!
Abro a porta do box e a vejo com as mãos na cintura, batendo com o pé no chão.
– Calma aí, não é bem o que tu estás pensando! Eu posso explicar.
Todo molhado e com a cabeça espumando de xampu, foi constrangedor afirmar que a china não era minha e sim sonhos do velho Jayme.
– Tá bom, agora a culpa é do Jayme.
– O maragato! Aquele da Tertúlia. Lembra?
Observando o instigante olhar desconfiado e o pé nervoso no chão, busquei nos versos de Gildo de Freitas uma tentativa para amenizar ou resolver definitivamente aquela embaraçosa situação.
“Eu reconheço a minha grossura...”
E encerrei o assunto.
– O chimarrão está pronto!
O dia tinha sido tranquilo e proveitoso, eu estava de bem com a vida. Ao chegar em casa, antes do banho reconfortante, preparei um chimarrão com erva buena da Palmeira, para saborear à sombra da corticeira. A água estava morna e o banho extremamente agradável. Não é do meu feitio cantarolar embaixo do chuveiro, mas naquela oportunidade, veio em minha mente uns versos antigos do saudoso Jayme Caetano Braun. Comecei a declamar “O Bochincho”.
“A um bochincho certa feita
fui chegando de curioso
que o vício é que nem sarnoso...”
A payada rolou solta dentro do box, no refrescante ambiente azulejado do banheiro. A água morna escorria leve e a espuma branca, suave. Os versos brotavam de minha alma gaudéria como se o próprio Jayme fosse o payador. O recinto era uma excelente caixa de ressonância para uma voz barítona desafinada de um incipiente cantador.
“E foi ele que se veio
pois era dele a pinguancha
bufando e abrindo cancha...”
Nunca fui chegado a arte da declamação, mas aquele dia a inspiração estava do meu lado, enquanto o chuveiro jorrava as águas da nossa gloriosa Corsan, a garganta soltava cada vez mais eloquente os versos do velho maragato. O pequeno quadrilátero do box foi o palco de tamanha ousadia declamatória, um verdadeiro desrespeito com o mito da payada gaúcha.
Com uma convicção pampeana, recitava com todas as forças dos pulmões...
“E a china eu nunca mais vi
no meu gauderiar andejo
somente em sonhos a vejo...”
De repente minha companheira entra no recinto para escovar os cabelos e a indagação foi peremptória e incisiva, com uma dramaticidade alarmante.
– Quem é esta china? E tu somente em sonhos a vê? Me explica melhor este negócio? Tu andas sonhando como uma china? Era só o que me faltava!
Abro a porta do box e a vejo com as mãos na cintura, batendo com o pé no chão.
– Calma aí, não é bem o que tu estás pensando! Eu posso explicar.
Todo molhado e com a cabeça espumando de xampu, foi constrangedor afirmar que a china não era minha e sim sonhos do velho Jayme.
– Tá bom, agora a culpa é do Jayme.
– O maragato! Aquele da Tertúlia. Lembra?
Observando o instigante olhar desconfiado e o pé nervoso no chão, busquei nos versos de Gildo de Freitas uma tentativa para amenizar ou resolver definitivamente aquela embaraçosa situação.
“Eu reconheço a minha grossura...”
E encerrei o assunto.
– O chimarrão está pronto!
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