segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Avaliação de vinhos da colônia

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

O encontro prometia ser uma grande festa italiana. Degustações de vinhos e janta típica da colônia era o cardápio naquela noite.
Estou absorto, sonhando com o bordô colonial e o caprichado risoto que em breve será servido. Repentinamente, sou convidado a fazer parte do corpo de jurados.
– O enólogo de Caxias do Sul, infelizmente, não pode vir e o senhor foi indicado para substituí-lo – comunica-me o organizador da festa.
– Eu?...
– Agradecendo a colaboração dos degustadores, gostaríamos de dar início a esta festa, esclarecendo que a avaliação dos vinhos é feita, em uma tabela, atribuindo-se notas de zero a dez para três itens, quais sejam: cor, aroma e sabor.
Uma senhorita nos serve o primeiro de uma série de doze vinhos brancos.
Avaliamos. Cor: 7. Rodo lentamente o cálice. Aroma: 8. Enfim, provo-o. Sabor: 8. Total da nota: 23 pontos.
Assim, sucessivamente, o mestre de cerimônias vai anunciando os vinhos a serem degustados e julgados, devidamente acompanhados com queijos, pãezinhos e uma providencial água mineral.
– Será apreciado agora o vinho de número 13. O primeiro tinto desta fria, mas aconchegante noite – anuncia o chefe do cerimonial.
Após uma breve avaliação visual atribuo nota 7 para o item cor, 7 para o aroma e 8 para o sabor. Total da avaliação: 22 pontos.
– Avaliaremos vinte e cinco tintos, todos produzidos por famílias de produtores da região. Passaremos a apreciação do vigésimo nono vinho.
Os cinco degustadores, simultaneamente, rodam os cálices e o tinto libera seus aromas e em seguida aveluda o paladar dos respeitáveis neófitos enófilos. Devido ao número excessivo de doses degustadas, é perceptível uma agradável descontração entre os membros da comissão julgadora.
– Muito bom. Cor: 8. Aroma: 9. Sabor: 8. Total da nota...27 pontos.
Desconfio da minha soma e refaço a conta. 8 + 9 + 8= 25. Total: 25 pontos. Assim fica mais condizente com a verdade matemática.
– Muito bem, senhoras e senhores, o jantar está pronto e será servido tão logo terminemos esta degustação. Imediatamente passaremos a análise do vinho de número 35. Antepenúltimo tinto deste concurso do melhor vinho da região.
– Sérgio, tu que és professor de matemática, quanto é 8 + 9 + 7? Porque eu estou com a impressão que a nossa capacidade de fazermos cálculos está prejudicada.
– Hum... 8 + 9 + 7... 24. Se não me falha a memória.
– Finalmente, apreciaremos o vinho de número 37, o último, desta memorável festa e em quinze minutos estaremos divulgando e premiando os vencedores.
– Este tinto está me parecendo meio branco demais e extremamente azedo. Aliás, eu nunca tinha visto um tinto borbulhar. Muito estranho! – comento com o parceiro desta banca de degustação.
– Olha, não quero me intrometer na tua avaliação, mas tu estás degustando a água mineral.
– Ah... bom! Onde está o pratinho com os queijos?
Sorvo o último tinto e classifico-o com 28 pontos. Neste momento só tenho olhos em direção ao galeto assado, dourado e suculento sobre a mesa do bufete.

domingo, 28 de agosto de 2011

Colega Osama

Crônica publicada no jornal A Razão no dia 10.12.2001.

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

A manchete do jornal dominical era contundente: “A primeira guerra do século 21”.
Apreensivo, começo a folhear o encarte. Em instantes deparo-me com um breve currículo dos dois protagonistas desse confronto.
De um lado o poderoso W. Bush, 54 anos, professor de história, empresário do ramo petrolífero e apaixonado por beisebol. De outro, Osama Bin Laden, 44 anos, filho de magnata e engenheiro civil.
Inacreditável, mas Osama Bin Laden é engenheiro civil.
No curso de engenharia estudamos cinco longos anos. Aprendemos a planejar e executar vários tipos de obras. Nos debruçamos sobre as pranchetas, por horas a fio, para projetarmos unidades habitacionais que ofereçam conforto, segurança e tranquilidade às pessoas.
É com enorme satisfação e realização pessoal que vemos uma obra concluída. Edifícios, como o World Trade Center, são considerados obras de arte no meio acadêmico. Portanto, inimaginável a sua destruição.
Neste ínterim transporto-me para o início da década de 80, numa aula de Construção Civil II. Lá do fundo da memória veio em minha mente a imagem de um aluno quieto, simpático, magro e extremamente educado. Usava um turbante, tinha uma barba preta e fina. Eu sempre achei aquele hondurenho meio estranho, mas a lembrança do frondoso turbante aguçou minhas dúvidas sobre a nacionalidade daquele sujeito. A fisionomia de Osama na capa do jornal era fiel com a do colega gravada em minha memória.
Passados vinte anos, uma barba um pouco grisalha e estava ali, nitidamente diante de meus olhos, nas reportagens acerca do atentado, a imagem do colega do curso de engenharia.
Tremo e meu coração acelera. – Fui colega de um terrorista!
Permaneci com aquela incerteza por vários dias. A Barba. O turbante. O nome, realmente, eu não lembrava, mas a sonoridade de “Osama” era familiar.
Em um ensolarado sábado, na movimentada manhã do calçadão da Bozano, encontrei outro colega de curso. Com uma certa afobação sobre quem eu supunha ser Bin Laden, expliquei-lhe minhas conjecturas.
Ele foi taxativo.
– Não. Deixa de paranoia. Aquele colega estrangeiro não era hondurenho, muito menos saudita, ele era argentino. Não usava turbante e sim uma boina preta. Tinha uma barba volumosa, neste ponto tua memória não falhou. Finalmente, o nome do simpático castelhano não era Osama, ele se chamava Ernesto.
– Che Guevara!
Saio a passo largo pelo calçadão afora e deixo meu colega estupefato, boquiaberto, enquanto uma roda de capoeira se formava em frente à Caixa e um artista popular pichava cascatas em folhas de eucatex.

sábado, 20 de agosto de 2011

Às prévias, companheiros!

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter@athosronaldo

Eu sou um defensor das prévias. Acho que em uma disputa política dessas – de ideias – o partido cresce. Concretiza propostas. Consolida a militância. Pluraliza o contraditório.
As propostas discutidas em umas prévias afloram e evidenciam a vocação partidária. Assim, construímos o partido que queremos. Numas prévias discutimos à exaustão e os filiados tornam-se partícipes do processo de elaboração de um projeto a ser oferecido à sociedade e as demais forças políticas que, provavelmente, comporão uma aliança. Nos encontros os partidários discutem os acertos e erros de outras empreitadas, que é uma avaliação necessária. Nas prévias discutimos ideologia – coisa meio fora de moda nos dias atuais –, o partido cresce e se mobiliza e radicalizamos a democracia.
Nas prévias o partido e os partidários amadurecem no fazer político. As prévias têm o poder de apaixonar. Nos apaixonamos pelas propostas, pelas candidaturas, pois temos consciência do que elas representam. Nos tornamos incorporados a uma saudável utopia. O candidato se expõe internamente para os filiados e fortalecemos como alternativa de governo e... poder.
Particularmente, acho uma chatice o consenso. Um candidato de consenso não tem sabor, não tem tempero. É insosso. O que é o consenso, se não um acordo de caciques ou cúpulas partidárias em uma reunião-almoço?
O mandachuva do partido indica, o presidente do partido diz sim, a executiva, amém – se o partido estiver no governo – o primeiro escalão do governo também diz sim, sim, e sim. Todos os demais Cargos de Confiança (cecezinhos, ceces e cecezões) concordam. O candidato ou a candidata dá uma repaginada na fachada, branqueia os dentes e ensaia sorrisos e temos o tão chamado consenso.
Quem está na extrema periferia das hostes partidárias, vai dizer o quê?
Mas percebendo esse momento e a possibilidade de prévias, sinto-me renovado. A minha adormecida veia política desperta. E fico com um pé no asfalto. Caso o consenso se concretize, tomo uma água de melissa, recolho-me a minha insignificância de militante inorgânico e às minhas maltraçadas linhas.
Às prévias, companheiros!

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Vereadores do Brasil, uni-vos!

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter@athosronaldo

O aumento do número de vereadores é uma discussão polêmica. Envolve interesses políticos, democracia representativa e verbas públicas.
As pessoas que defendem esse acréscimo pautam-se pela maior representatividade da sociedade, um incremento democrático no parlamento. Os contrários prendem-se ao fato de que mais vereadores, provavelmente, acarretarão mais despesas para o caixa das prefeituras. Especificamente em Santa Maria a Câmara de Vereadores devolve, anualmente, cerca de 1,5 milhões de reais para o Executivo. Com 21 vereadores haverá essa devolução? Fica a dúvida.
Os argumentos são plausíveis. Mas uma questão que se impõe nesse momento é o atual descrédito porque passa a classe política no Brasil. Diuturnamente vemos nos noticiários escândalos e desmandos políticos. A Polícia Federal e o Ministério Público nunca trabalharam tanto como nos últimos anos. A presidente Dilma ganhou pontos com a população ao promover uma “faxina” no Ministério dos Transportes. Três ministros já saíram do governo porque havia indícios de malversação de verbas. O povo não suporta mais tanta impunidade e anseia pela punição aos corruptos.
Qualquer enquete que for feita terá como resposta uma expressiva contrariedade ao aumento do número de vagas nos legislativos municipais. Não é uma questão de cercear a democracia ou desejo inconsciente pelo autoritarismo e, sim, de descrença nos políticos. Há uma crise de representatividade que se arrasta por anos e que não será resolvida com mais vereadores. Salvaguardando os honestos e trabalhadores – que honram o voto recebido –, o que se sobressai são, justamente, os maus parlamentares. Com mais vereadores, com o atual espectro político, o descrédito tende a se agravar.
Esse momento não é propício para essa demanda do legislativo. Soa como um deboche. Quanto mais a população clama por segurança, saúde e educação, eles – os políticos – querem mais “vaguinhas” nas câmaras municipais. Os vereadores precisam arregaçar as mangas e colocar o pé no barro. E mostrar serviço.
Antes de discutir o aumento do número de vereadores país afora, deveria ser discutida uma reforma política séria que sinalizasse para o povo uma maior credibilidade no parlamento.
Esse incremento de vagas, por ser um assunto extremamente polêmico, deveria ser decidido com uma consulta – plebiscito – à população. Por que, apenas, quatorze pessoas tem o poder dessa decisão? Afinal, em Santa Maria, por exemplo, somos quase 200 mil eleitores. E são esses eleitores que deveriam decidir o tamanho de sua representação.
Parodiando Marx: vereadores do Brasil, uni-vos! A causa é justa e o bom debate deve ser profícuo e democrático com a sociedade.

domingo, 14 de agosto de 2011

O Payador no banho

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O dia tinha sido tranquilo e proveitoso, eu estava de bem com a vida. Ao chegar em casa, antes do banho reconfortante, preparei um chimarrão com erva buena da Palmeira, para saborear à sombra da corticeira. A água estava morna e o banho extremamente agradável. Não é do meu feitio cantarolar embaixo do chuveiro, mas naquela oportunidade, veio em minha mente uns versos antigos do saudoso Jayme Caetano Braun. Comecei a declamar “O Bochincho”.

“A um bochincho certa feita
fui chegando de curioso
que o vício é que nem sarnoso...”

A payada rolou solta dentro do box, no refrescante ambiente azulejado do banheiro. A água morna escorria leve e a espuma branca, suave. Os versos brotavam de minha alma gaudéria como se o próprio Jayme fosse o payador. O recinto era uma excelente caixa de ressonância para uma voz barítona desafinada de um incipiente cantador.

“E foi ele que se veio
pois era dele a pinguancha
bufando e abrindo cancha...”

Nunca fui chegado a arte da declamação, mas aquele dia a inspiração estava do meu lado, enquanto o chuveiro jorrava as águas da nossa gloriosa Corsan, a garganta soltava cada vez mais eloquente os versos do velho maragato. O pequeno quadrilátero do box foi o palco de tamanha ousadia declamatória, um verdadeiro desrespeito com o mito da payada gaúcha.
Com uma convicção pampeana, recitava com todas as forças dos pulmões...

“E a china eu nunca mais vi
no meu gauderiar andejo
somente em sonhos a vejo...”

De repente minha companheira entra no recinto para escovar os cabelos e a indagação foi peremptória e incisiva, com uma dramaticidade alarmante.
– Quem é esta china? E tu somente em sonhos a vê? Me explica melhor este negócio? Tu andas sonhando como uma china? Era só o que me faltava!
Abro a porta do box e a vejo com as mãos na cintura, batendo com o pé no chão.
– Calma aí, não é bem o que tu estás pensando! Eu posso explicar.
Todo molhado e com a cabeça espumando de xampu, foi constrangedor afirmar que a china não era minha e sim sonhos do velho Jayme.
– Tá bom, agora a culpa é do Jayme.
– O maragato! Aquele da Tertúlia. Lembra?
Observando o instigante olhar desconfiado e o pé nervoso no chão, busquei nos versos de Gildo de Freitas uma tentativa para amenizar ou resolver definitivamente aquela embaraçosa situação.

“Eu reconheço a minha grossura...”

E encerrei o assunto.
– O chimarrão está pronto!

sábado, 13 de agosto de 2011

Última payada

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O chimarrão que o maragato
Cevava na cuia morena
Descansando as chilenas
Pra sorver o verde regato
Que veio do tosco do mato
Mateando quieto e despacito
Com o olhar no infinito
Nos causos do seu silêncio
Manchou com erva o lenço
E chimarreou com seu piazito

E o guri cresceu assim
No gosto pelo chimarrão
Pra quem nasceu neste chão
Cevando mateadas em mim
Em largas proseadas sem fim
Nas vastas tardes da pampa
Quando o quero-quero canta
Na calmaria da terra gaúcha
Com a cuia feito garrucha
Identidade guapa que encanta

Quando o “Velho” anoiteceu
Num mês de maio fatal
Deixou de lado o buçal
Fez de conta que esqueceu
Todas as lidas que viveu
Com a cuia, bomba e sovéu
Cevou um mate com mel
E em silêncio foi embora
Batendo esporas na aurora
Em algum rincão do céu

Herança: a velha bomba
De alpaca e ouro folhada
Ficou um taura na invernada
Num dedilhar de milonga
Na tarde cada vez mais longa
Daquele mesmo domingo
Que cevei um mate antigo
E sorvi a Última Payada
Naquela bomba de alpaca
Que sempre carrego comigo