quinta-feira, 14 de abril de 2011

Eu vos abraço, milhões

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O Moacyr Scliar é daqueles escritores que a gente lê, aprende a gostar e fica ansioso, aguardando o próximo lançamento. Pois basta saber que é do Scliar para se adquirir a obra. E foi assim com “Eu vos abraço, milhões”.

Uma narrativa que flui com facilidade. Ficamos envolvidos pela estória e pelos personagens de tal maneira que não sossegamos enquanto não vencemos a última página. Claro, isso é uma característica de escritores excepcionais.

“Eu vos abraço, milhões” é um romance, mas poderia ser um ensaio político – está intrínseca uma reflexão ideológica –, pois conta a trajetória de Valdo, nascido no interior de Santo Ângelo no início do século XX que sai de sua terra para ser um militante revolucionário no Rio de Janeiro no final da década de 30. No Rio de Janeiro suas esperanças socialistas não são as mesmas que cultivara em sua terra natal. A vida de trabalhador braçal vai tornando Valdo um operário na vida real. E a revolução fica cada dia mais distante.

Na construção do Cristo Redentor – onde exerceu a função de ajudante de pedreiro – suas inquietações afloram, as certezas, aos poucos, vão se diluindo na rotina do trabalho. As incertezas se evidenciam nas divergências internas do partido comunista.

Enfim, encerra a trajetória como um bem-sucedido empresário em Porto Alegre às voltas com o golpe de 64. “Eu vos abraço, milhões” é um livro para ser lido por todos aqueles que sonharam com a revolução e por desencanto perceberam que a coisa não é bem como o planejado. Não é bem como foi pregado nos encontros clandestinos e nos conchavos ideológicos.

É uma pena essa morte prematura do Scliar. Na minha humilde opinião, todo escritor morre jovem, pois sempre deixa algumas obras para serem escritas – consta que Moacyr deixou dois romances iniciados – mesmo que seja um centenário da palavra. Após encerrar a leitura, em uma serena tarde de chuva, concluí que “Eu vos abraço, milhões” é um dos melhores livros do Scliar. Altamente recomendável para todas as idades.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Figos maduros

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo


São diversos os motivos para se adquirir um livro. Podemos comprar, pois o autor nos agrada, um amigo leu e indicou. A promoção era imperdível. Mas, no último instante da aquisição, devemos fazer uma atenta leitura das orelhas do livro. Isso seria o mínimo antes de desembolsar a grana.

Tem livros que namoro semanas. Leio críticas na internet e busco várias opiniões. Chego em casa ávido para iniciar a leitura – com a certeza que o livro será a salvação do fim de semana – e me arrependo depois da terceira página. Mas a gente não se convence que a coisa não anda e encara mais umas páginas, a leitura se arrasta e, definitivamente, o abandonamos. Isso é muito comum nesta árdua vida de leitor. Deixamos o livro adormecer, por algum tempo, na estante para ser retomado em outro momento, talvez com outro ímpeto.

No entanto, alguns livros nos provocam uma paixão à primeira vista, um chamamento irresistível. E a aquisição se dá por impulso. É um sentimento que foge ao controle. Adoramos a capa, a diagramação, o acabamento. Até pelo título, irreverente ou estranho, se compra o livro. Olha-se o volume e fala para a atendente. – Embrulha.

E foi assim, catando, distraidamente, alguma novidade nas estantes da Cesma que me deparei com “Figos maduros”. De imediato, associei o título aos “Morangos mofados” de Caio Fernando Abreu, que li numa tarde perdida no século passado.

Manuseando o exemplar, percebi que a capa era muito criativa e a diagramação impecável. A cor das fontes também lembravam os figos maduros. Aí temos que dar os créditos para os profissionais da editora Literalis. O preço era, razoavelmente, acessível. Não tive dúvidas, adquiri o “pote” de figos. Com esses predicados julguei que deveria comprar os figos maduros, mesmo que na lembrança estivessem os morangos mofados.

E a leitura foi uma agradável surpresa. Li as crônicas de Jorge Bledow em um final de semana. São crônicas no sentido “literalis” da palavra. Relatam o sentimento do homem interiorano. O cotidiano de uma vida urbana. Um belo conjunto de textos que nos provoca reflexão e nostalgia em alguns momentos e divertimento em outros.

Enfim, ressuscitei de minha estante os “Morangos mofados” do Caio e fico no aguardo de uma nova safra de “Figos maduros”.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Capitalismo marciano

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Não sei o porquê, mas toda vez que o Hugo Chávez abre a boca eu me lembro do Rei da Espanha. – Por qué no te callas?
Desta vez o presidente da Venezuela falou sobre a tese de um improvável capitalismo no planeta vermelho. “Não seria estranho se tivesse existido uma civilização em Marte, mas talvez o capitalismo tenha chegado lá, o imperialismo chegou e acabou com o planeta”.
Embora o absurdo dialético da frase, é possível refletirmos sobre o nosso mundo e o que nos revolta e indigna. É preocupante ver a vastidão marciana e pensar que houve uma civilização. A discussão sobre as agressões que fazemos ao planeta é pertinente, pois sabemos que a resposta da natureza é implacável. Vide as recentes catástrofes no Chile e no Japão. Mas voltando as causas do imenso deserto em Marte. Se houve um capitalismo, uma social democracia, trabalhadores unificados ou um barbudão materialista em Marte a nossa geração jamais saberá. No entanto, se a NASA fizer uma expedição e montar uma plataforma é porque descobriu petróleo e se jogar bombas é porque descobriu uma ditadurazinha metida à besta. Mas isso é, apenas, uma hipótese.
Com a queda do muro de Berlim e, por conseqüência, todo o socialismo real do Leste Europeu, os mais afoitos decretaram o fim da história, o apogeu do capitalismo. Seria o triunfalismo do capital? Tenho um certo temor em imaginar o nosso futuro se o capitalismo que supostamente venceu aqui no planeta azul for o mesmo que dizimou a civilização em Marte. Mas creio, também, que houve luta de classes em Marte. Afinal, o capital não seria vencedor sem um vencido. Sabe se lá se em um dado momento da história marciana não houve uma revolução. Será que um marciano com anteninhas, careca e com um vistoso cavanhaque não marchou rumo à estação Marte? O verdadeiro líder da vanguarda marciana. E proclamar a URSS do M.
Assim, mesmo que um capitalismo tenha acabado com os marcianos, devemos crer que algo havia de excelente em sua trajetória, pois o planeta continua vermelho. Então eu imagino que um Campeão de Tudo andou por aquelas bandas.
Muito antes de o capitalismo terráqueo transformar o planeta azul em um infindável Saara, nós devemos deixar Marte para futuras preocupações, pois o presidente Chávez ainda não se manifestou sobre as previsões dos Maias para o dia 21.12.2012. E isso é angustiante. Eu não me espantaria se o comandante bolivariano afirmar que os Maias Marcianos fizeram previsões semelhantes para Marte. Mas aí eu vou dar, novamente, razão ao Rei da Espanha.

quinta-feira, 17 de março de 2011

A balança do Ronaldo

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter/athosronaldo

O ex-craque Ronaldo Nazário cumpriu a promessa do ano passado com o bando de malandros do CQC da Band. O ex-fenômeno tinha que se pesar, ao vivo, diante das câmaras, se o Corinthians perdesse o campeonato brasileiro de 2010.
Chegou ao estúdio portando sua própria balança e vestindo a indumentária padrão dos apresentadores. Os números digitais do peso chegaram a 73 kg. Isso, sim, é um fenômeno!
Olhando-se o histórico do programa poderíamos imaginar mais uma sacanagem do CQC ou uma pegadinha com o Ronaldo. Os 73 quilinhos parecem um engodo – ou seria engordo –, visto que o perfil do “corintiano” em campo não era de um esbelto craque. Se o Ronaldo pesa 73 kg eu sou anoréxico.
Na entrevista coletiva que anunciou a sua despedida do futebol comentou que o corpo não obedecia mais a mente. O rapaz é uma pessoa bonachona, bem-humorada, deve ser um amigão, mas a imprensa foi muito condescendente, estava a olhos vistos que o corpo era desobediente, a carreira havia terminado. E já fazia algum tempo.
É sabido que um em cada dois brasileiros está acima do peso. E que esse pessoal tem uma briga ferrenha com as balanças. O programa Globo Repórter – um dos bons programas da nossa televisão – tem feito várias reportagens sobre a saúde e modo de vida dos brasileiros. No último, que tratou dos gordinhos, chamou atenção imagens de um Brasil mais saudável. Em um filme antigo, pessoas caminhavam em preto e branco por uma grande cidade e todos os pedestres eram magros. Em contraponto, coloridas tomadas atuais em que havia um significado número de pessoas com sobrepeso e obesas. Em outras cenas, pessoas estressadas e fazendo refeições em fast-food ou comendo uma guloseima qualquer em pé diante de um balcão.
A reeducação alimentar, ingerir muita água e exercícios físicos regulares estão em todas as recomendações para quem deseja ter melhor qualidade de vida, redução de peso e, definitivamente, fazer as pazes com a balança.
Não há escapatória, os brasileiros gordinhos que desejarem emagrecer terão que encarar um brócolis, tomate, couve-flor e alface na hora do almoço – tudo com pouco ou sem sal – e gelatina diet de sobremesa. Não adianta o olhar de resignação com o vizinho de mesa que se delicia com uma enorme pizza calabresa, um litrão de coca-cola e finaliza a refeição com uma generosa fatia de pudim de chocolate com morango.
No entanto, se não quiser encarar esse sacrifício com os vegetais, uma outra hipótese para reduzir o peso seria pedir emprestada a balança do Ronaldo. Mas, convenhamos, essa é uma balança muito especial. Acho que ela só reduz peso de craques aposentados.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Em torno de Marx

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

A queda do muro de Berlin e em conseqüência a derrocada do socialismo do Leste Europeu colocou o pensamento de esquerda em crise.
Alguns, mais afoitos, declararam o fim da história. E nesses últimos anos o mundo mudou e vem mudando diuturnamente. Consolidando-se a democracia como os anseios de uma sociedade moderna. Nas estantes das livrarias escassearam os livros que tratam da ideologia.
Os pensadores de esquerda estão nos devendo um debate aprofundado sobre o socialismo democrático. Se por um lado há uma necessidade de uma discussão aprofundada dos caminhos da esquerda nas teses socialistas, nas conquistas de governo, tem sido bem sucedida, haja vista alguns governos da America Latina.
Embora a carência desse debate ideológico, Leandro Konder nos apresenta esse Em torno de Marx. Um belo exemplar que recoloca na pauta nomes como Marx, Engels, Lênin, Trotski, Gramsci, Lukács e tantos outros.
Eu diria que é uma leitura obrigatória para aqueles que – na engrenagem da máquina estatal – se desvirtuaram de algumas teses históricas e caras para a esquerda.
O livro é composto de três partes.
Em torno de Marx que trata de vários temas relacionados pelo filósofo entre eles: O homem e a obra revisitados, a moral, religião, morte, Marx na história e história em Marx e dialética.
A herança de Marx faz uma breve releitura das obras dos marxistas Theodor Adorno, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Jean-Paul Sartre, György Lukács e Antonio Gramsci.
E por fim O Marxismo no Brasil que recapitula os primeiros militantes e a fala da direita no Brasil, de 1936 a 1944.
Algumas abordagens são bem interessantes. Há uma citação do próprio Marx afirmando que não era marxista. Aspectos da vida pessoal do filósofo, o relacionamento com os filhos e com o pretendente a genro Paul Lafargue mostra um Marx preocupado com o futuro dos filhos no caso a filha Laura. Por vezes, numa atitude conservadora na cobrança da postura do genro diante da amada.
Nas análises dos pensadores despertou-me maior interesse na leitura ou releitura de Lukács e Gramsci, que, segundo Konder, era o mais fascinantes de todos os marxistas.
Konder cita vários livros dos autores analisados e os mais diversos temas que escreveram. O livro de György Lukács A teoria do romance está na minha lista para leitura. Encontrei uma maneira de ler um pensador de esquerda numa abordagem da temática ficção.
Em torno de Marx é uma espécie de livro de “auto-ajuda” político para aqueles que estão meio desacreditados da ideologia ou que estão assoberbados e em estado de êxtase diante do poder, esquecendo algumas cláusulas pétreas de uma verdadeira esquerda democrática.
Leandro Konder fica nos devendo um Em torno de Marx no Brasil no século XXI. Um debate interessante. Partindo do pressuposto que haja um marxista no governo Dilma, imagino que não seja fácil ser marxista e pragmático quando negociar cargos ou fazer acordos com a base aliada.
Essa discussão precisa ser feita com uma certa urgência, pois, como alguém citou no livro, não queremos concluir que o último marxista tenha sido Trotski.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Extradição

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

A última atitude de Lula como presidente foi uma ação extremamente política. Não assinou a extradição de Cesare Battisti.
Assim, a polêmica foi instaurada na mídia. Muitos debates e inúmeras teses. E todos os formadores de opinião deram o seu pitaco. Com o caso Battisti afloram as rusgas entaipadas entre a direita e a esquerda verde-amarela. Se esse assunto vem à tona na copa do mundo, não tenho dúvidas, o polvo Paul daria seu palpite. E seria taxado de comunista ou direitoso.
O ex-guerrilheiro italiano ainda deverá se assunto em muitas páginas de jornal. Se uma despretensiosa bolinha de papel causou um deus-nos-acuda na última eleição, imagino o alvoroço que será quando o governo italiano recorrer à corte de Haia.
No entanto, no meu entendimento, o debate deve ser político. Cesare Battisti foi guerrilheiro na Itália da década de 70. E militante da organização Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Hoje parece meio estranho, meio fora de moda. A expressão “proletários armados” soa como algo alheio aos anseios da nossa sociedade. Mas para analisarmos com parcimônia devemos levar em conta a conjuntura política na Itália da década de 70. Na Itália, bem como no Brasil, aquele período induzia e provocava a proliferação de grupos guerrilheiros que sonhavam com a revolução pelas armas. Todo militante de esquerda era um Che Guevara em potencial.
Uma das questões amplamente debatidas é sobre o tipo de crime cometido pelo italiano, se foram políticos ou comuns. E nessa discussão os adeptos da tese de crime comum, por consequência, favoráveis a extradição, são os mesmos que guardam a 49 chaves os arquivos da ditadura brasileira. Mas isso é outra vertente do mesmo tema.
Particularmente, não consigo raciocinar juridicamente, nem tenho aptidão para tal, portanto, na política a Cesare o que é de Cesare. Penso que Lula fez o que deveria ser feito. Na pior das hipóteses, e do tempo decorrido, devemos acatar o benefício da dúvida sobre a real ação de Battisti no grupo revolucionário e nos crimes cometidos. E, além do mais, Lula não iria extraditar um militante do PAC (sic) uma das siglas mais festejadas no Brasil nos últimos tempos.
Certamente, os adeptos das teses da extradição alegam que Battisti já foi condenado pela justiça italiana e essa tecla será batida até que, numa próxima eleição, outra bolinha de papel desvie o foco das atenções.
Enfim, nunca participei de um partido revolucionário, e nem lutei contra a ditadura – não tinha idade para isso –, mas se o STF quiser me extraditar para a França eu não coloco empecilho. Não vou alegar perseguição política. Topo sem pestanejar. Viver como um perseguido político ou criminoso comum em Paris não deve ser de todo ruim.