quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Fusca vermelho [*]

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A tarde caía fria naquele princípio do último inverno da década de 70. O acampamento dos estudantes silenciava lentamente em frente ao prédio da Interamericana.
Em uma das barracas um grupo de universitários estava reunido numa roda de chimarrão. O movimento estudantil pedia o fim da censura, mais verbas para a educação e eleições diretas para reitor e presidente.
Deslocava-me à parada de ônibus quando encontro um amigo com aquela velha estampa de contestador. O estilo de quem tinha a opinião formada sobre tudo: longas melenas, boina preta, bolsa à tiracolo e uma surrada jaqueta do NPOR.
De pronto, disse-me ele com um quê conspiratório:
– Tchê, te cuida que os “milico” estão aqui no campus – sorriu debochado e seguiu seu trajeto.
Despediu-se, deixando-me proseando com um colega da Medicina, que havia chegado nesse ínterim. Ainda comentou que iria dar uma espairecida, respirar um pouco o ar da noite que se avizinhava.
– Quero dar uma aliviada nas tensões – e caminhou, vagarosamente, em direção ao prédio do Centro de Tecnologia.
Não demorou dois minutos, volta todo esbaforido ao nosso encontro. Alvorotando os demais que estavam no roda de chimarrão.
– De quem é o fusca vermelho no estacionamento da engenharia?
– Fusca vermelho? – retorquiu um rosto assustado saindo do interior da barraca.
– Não sei, mas me parece muito estranho. Já está anoitecendo – não escondendo o nervosismo completou com uma frase que desconcertou os colegas de acampamento.  – e tem dois sujeitos dentro.
Ouvi o diálogo dos dois líderes estudantis, mas não dei muita importância, disse que iria ver minha nota de Física I, no prédio em frente, e me retirei. Após verificar que minha nota não era nem parecida com a que imaginava, também resolvi caminhar pelo campus. Uma caminhada sem compromisso para colocar os pensamentos em ordem, mas, extremamente preocupado com a segunda prova de Física.
Entro pelos fundos do Centro de Ciências Naturais e Exatas, passo pelo corredor principal e chego ao hall do prédio. Anoitecera. Naquela hora o Centro estava completamente vazio. Quando estou saindo, na escadaria, deparo-me com um vizinho, morador do mesmo prédio, conhecido apenas por ser sargento e síndico do condomínio.
– Oliveira! Sargento, o que o senhor faz por aqui?
Olhou-me com espanto e sorriu amarelo.
Oliveira estava a paisano. Não me dá ouvidos e se vai, a passos largos, em direção ao fusca vermelho que o aguardava no estacionamento da engenharia.
– Vocês não vão acreditar, os militares estavam aqui nas nossas barbas, do nosso lado, um deles é um sargento que é meu vizinho, moramos no mesmo prédio – afirmei.
Estava visivelmente apavorado, preocupado com um provável envolvimento com as Forças Armadas, pois naqueles tempos de exceção, era de tirar o sono de um simples universitário latino-americano sem parentes importantes.
Depois daquele emocionante entardecer no campus não encontrei mais o sargento, síndico do condomínio. Um outro vizinho, algumas semanas depois, comentou que não entendia o porquê de o sargento Oliveira ter sido, repentinamente, transferido para Manaus.
E eu, no próximo semestre, iria repetir a disciplina de Física I.


[*] 3º Lugar no 6º Concuros de Crônicas da UFSM 2012 - Categoria egressos.

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